Conferência de Direitos Humanos traz debate sobre igualdade de gênero

Belém (PA) – O segundo painel da VI Conferência Internacional dos Direitos Humanos da OAB, que teve início hoje e vai até quarta-feira (29) na capital paraense, trouxe à discussão o tema da igualdade de gênero. A atividade foi conduzida pela presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Fernanda Marinela. Além de Fernanda Marinela, compuseram a mesa a secretária Andreza Pantoja de Oliveira Smith; a coordenadora do doutorado da Universidade de Salamanca, na Espanha, Maria Esther Martínez Quinteiro; a vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho; a ex-ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luciana Lóssio; a jurista russa Marianna Abramova; e a conselheira federal da OAB pelo Rio Grande do Sul, Cléa Carpi. A primeira palestrante, Maria Esther Martínez Quinteiro, apontou a necessidade do estabelecimento da paridade entre homens e mulheres. “O direito de igualdade não existe desde sempre. Deus criou todos os seres humanos livres e iguais, então partimos daí, mas obviamente não é suficiente para se embasar o direito legal. As mulheres sofrem diversas formas de quebra de isonomia: social, econômica, política, trabalhista. Depois da Primeira Guerra Mundial, os direitos sociais ensaiaram uma eclosão, mas foi a partir da Segunda que se internacionalizam com a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, lembrou Quinteiro. Durante o painel, a presidente Fernanda Marinela solicitou uma salva de palmas em memória à morte de Inês Etienne Romeu, ocorrida naquela tarde. Inês foi a brasileira que denunciou o centro clandestino de regime militar e também a última presa política da ditadura militar libertada no Brasil. A segunda palestra, proferida por Margarete Coelho, se deu sobre o viés do direito eleitoral, área na qual é especialista. “Confrontar o direito de igualdade nesse mundo demasiadamente masculinizado é minha proposta. Qual é a importância do empoderamento feminino? Estudos comprovam que Estados liderados por mulheres têm maior destaque no alcance efetivo dos direitos sociais. Da mesma forma, acordos de paz assinados por lideranças femininas são mais respeitados. Mesmo assim, somos apenas 10% das deputadas no Congresso Nacional, número que, mesmo baixo, é fruto de um aumento recente. Os programas eleitorais são feitos por homens, porque o sistema eleitoral é masculino, onde as mulheres fazem a tradução em libras para compor os 30% de composição de gênero estipulado pela lei”, lamentou a vice-governadora. CONTEXTO HISTÓRICO Em sua apresentação, Cléa Carpi destacou que os reflexos de estruturas sociais históricas impõem sofrimento às mulheres. “A discriminação contra a mulher viola diversos princípios, não somente o da igualdade. O fato de ela não gozar os mesmos direitos dos homens por si só já contraria a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, apontou. A conselheira falou também sobre a obtenção do direito ao voto por parte das mulheres e de outras políticas afirmativas históricas. A jurista russa Marianna Abramova falou sobre o panorama da igualdade de gênero em seu país. Ela comparou a situação russa com a do Brasil, passando pelo período soviético daquele país e frisando que a regulamentação de vários direitos femininos encontrou no machismo histórico dos russos uma das principais barreiras, fator que ainda impede algumas vertentes de desenvolvimento. Por fim, a ex-ministra do TSE Luciana Lóssio usou o direito romano para ilustrar a igualdade de gênero. “No direito romano, tem-se que enquanto crianças, éramos coisas; quando casadas, nos tornávamos propriedade da família de nosso marido. Vejam que machista esse comportamento em relação à mulher. Hoje, temos uma presidente da República. Num passado não distante, a ministra Ellen Gracie dirigiu o Poder Judiciário. Mas falta uma mulher tomar as rédeas do Legislativo, que é o coração da democracia. Inclusive, acho a representação feminina mínima de 30% insuficiente, visto que somos mais da metade do eleitorado brasileiro. No mínimo, deveríamos ser também a metade das chapas. Lutemos por nossos direitos e busquemos nosso lugar ao sol”, encerrou Luciana.

Conferência de Direitos Humanos analisa políticas de igualdade racial

Belém (PA) – O primeiro painel da VI Conferência Internacional de Direitos Humanos debateu os principais desafios da igualdade racial. O encontro, na tarde desta segunda-feira (27), foi conduzido por Humberto Adami Santos Junior, presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, e teve como debatedores Zélia Amador de Deus, Frei David, Nilma Lino Gomes e Wilson Prudente. Jorge Lopes de Faria foi o secretário da mesa. Participaram também o vice-presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia e o diretor-tesoureiro da entidade, Antonio Oneildo.  Fundadora do Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará, Zélia trouxe ao debate a questão das diferenças dentro do conceito e igualdade, além de traçar um histórico da luta do movimento negro por reconhecimento. “A emergência da noção de igualdade como categoria jurídica aparece após as revoluções do final do século 18, como francesa e independência americana. A noção de igualdade que emerge é para dar a todos direito à dignidade e honra. Desde então, todas nações que surgem trazem a igualdade perante a lei”, recobrou. Zélia contou aos participantes da Conferência que foi apenas após os horrores do Holocausto da Alemanha que é criada a ONU e a declaração dos direitos humanos passa a ser de todos. “Os direitos humanos que surgem em 1948 carecem, no entanto, de que, a fim de que igualdade seja de fato, não fique apenas na formalidade, mas que seja ampliada a ponto de trazer em seu bojo a diferença, de forma que ela passe a ser um dos direitos fundamentais. A igualde que comporta a diferença é a que nos interessa: negros, mulheres, povos indígenas e todos os oprimidos. A que sai do campo da igualdade formal, de todos iguais perante a lei, se amplia e traz ao seu campo a diferença, a possibilidade de construção da igualdade: igualdade na materialidade, substantiva”, clamou. Segundo a professora, são três os pilares no combate ao racismo e na promoção da igualdade racial. “Na questão da punição, já temos leis que proíbem o racismo. Para a promoção, conseguimos políticas públicas por parte do Estado brasileiro. Temos agora que discutir a questão da reparação no sentido de consolidar propostas”, explicou. Frei David, da ONG Educafro, elogiou os alunos cotistas pelo desempenho acadêmico alcançado em todos os anos que a medida tem valido no Brasil. “Todas as pesquisas comprovam que a média acadêmica é igual ou superior aos do não cotistas. Temos feito nossa parte na militância, vocês têm garantido o nível acadêmica. Hoje temos quase 95% de todas as instituições de ensino públicas e particulares com programas de inclusão de negros, brancos pobres e indígenas”, disse. Frei David também ressaltou as cotas nos concursos públicos no STF, CNJ, TST e, futuramente, no STJ. O ativista lembrou as ações da OAB em prol da população negra do Brasil, como a defesa das cotas raciais no STF e a recente criação da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, mas lembrou que ainda é baixa a representação dessa parte da sociedade em outros postos do Judiciário, além de terem dificuldade de arcar com custos ao longo da profissão. Sugeriu a criação de parcerias para o estímulo nos estudos e na carreira para advogados jovens e negros. COMPROMISSO INTERNACIONAL Wilson Prudente, promotor do trabalho e membro da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, trouxe em sua palestra um panorama internacional da promoção da igualdade racial e combate ao racismo. Após duas Guerras Mundiais, relembrou, consagrou-se os princípios dos direitos humanos como elemento de civilização. “A dignidade da pessoa humana foi elevada à condição de axioma. O único valor absoluto da civilização veio a ser o princípio da dignidade da pessoa humana, do qual decorre todo o ordenamento jurídico.” A partir daquele momento, segundo Prudente, começou-se a escrever uma civilização na qual racismo não tenha cerco. “O primeiro grande documento é a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, afirmou. “Mais tarde houve necessidade de que a ONU criasse convenção própria para eliminação de todas as formas de discriminação racial, em 1995. O texto consagrou o princípio de que as políticas adotadas para promover minorias não seriam consideradas discriminatórias”, afirmou. “Racismo, quando praticado em larga escala, é crime contra a humanidade. A Declaração de Durban é expressa: a escravidão negra e o tráfico transatlântico de pessoas são crimes contra a humanidade, então são estão submetidos aos critérios de prescrição. Ou o regime internacional de combate ao racismo se torna efetivo ou se efetivará a barbárie”, afirmou. “Recentemente, a OEA aprovou o documento internacional mais progressista e completo, a Convenção Interamericana Contra o Racismo, Discriminação Racial e Intolerância Conexas e Correlatas. Brasil tem que subscrever esse documento”, cobrou. Nilma Lino Gomes, ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, apresentou questões sobre como a promoção da igualdade adensa a discussão sobre direitos humanos. Segundo a ministra, o processo passar por mostrar à sociedade que a pauta dos direitos humanos não são um grande guarda-chuva no qual se protegem as diferenças. “No caso da população negra, soma-se a luta contra o racismo pela dos direitos humanos e nos faz refletir sobre a realidade tensa e complexa, uma história marcada por várias desigualdades. Após 515 anos de colonização, estamos ainda colhendo frutos da herança ancestral de descendentes de africanos trazidos ao Brasil. Para se tornar cada vez mais humanos, é preciso uma luta incisiva não apenas da população negra, mas de todos que querem construir democracia”, explicou. Segundo Nilme, a questão da humanidade também precisa ser problematizada, em matizes como gênero e região. Também é fundamental a reeducação das relações sociais e o rompimento da lógica da homogeneidade. “A pátria deve se preocupar com os jovens. Nesse sentido, não podemos reduzir a maioridade penal, por exemplo. A superação do racismo é deve de Estado, é preciso entender que o Brasil é um país diverso”, finalizou.

“Memória e Verdade” em debate na Conferência de Direitos Humanos

Belém (PA) – Ao falar sobre o tema “Memória e Verdade” na VI Conferência Internacional de Direitos Humanos da OAB, o membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, lembrou do atentado a bomba na sede da OAB no Rio de Janeiro, que vitimou a secretária Lyda Monteiro. “Foi um crime por terrorismo de estado. Esse atentado segue até hoje escandalosamente impune como demonstração de que resta um pouco de ditadura e más memórias que não recordam do que aconteceu”. O conferencista, que é jornalista e mestre em ciência política, destacou a importância do evento, que conta com a participação de aproximadamente 5 mil participantes, num momento político delicado em que há manifestações pelo Brasil de pessoas em favor da ditadura militar. “Esse é um momento de grave perigo de retrocesso. É importante que as forças democráticas saibam dissociar essa perigosíssima configuração de apoio à ditatura. O tema geral da Conferência é muito importante, pois trata da “efetivação dos direitos da igualdade”, destacou. Vannuchi ainda recordou de casos de violências aos direitos humanos que não devem ser esquecidos como a guerrilha do Araguaia, a escravidão negra e o genocídio dos povos indígenas.  “Falar sobre Memória e a verdade, é lembrar alguns aspectos desses temas, que são abertos e permitem interpretações distintas”, disse. Para o jornalista, há uma estratégia histórica persistente da construção do esquecimento, mas isso não deve acontecer, pois é preciso lembrar-se dos momentos marcantes. Ele citou Euclides da Cunha que registrou a memória de canudos e também parafraseou Manoel de Barros ao dizer que é “preciso transver o mundo”, pois a lembrança revê a imaginação. O conferencista destacou sobre as mortes de advogados ocorridas nos últimos anos no Pará e disse que não devem cair no esquecimento. “As mortes de advogados no Pará é o recalcado presente e deve ser lembrado. O esquecimento construído é a memória interrompida”, comentou. O membro da Comissão Interamericana destacou a importância se julgar, no Supremo Tribunal Federal, o quanto antes, a Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº153,  que  tem autoria da OAB Nacional e trata de esclarecer episódios ocorridos no regime militar brasileiro. De acordo com Vannuchi, é necessário e indispensável saber o que foi a ditadura de 1964 e destacou que só com a sua queda é que o Brasil passou a viver a democracia. “Só agora o Brasil ostenta uma democracia minimamente digna e dizer que estamos discutindo a possibilidade de inaugurar um país novo, que faz o resgate da memória de fatos como a escravidão e do genocídio indígena”. O conferencista finalizou dizendo que a defesa dos direitos humanos é uma longa caminhada da sociedade civil e dos militantes dos Direitos Humanos, além disso, recordou sobre o relatório da Comissão Nacional da Verdade apresentado à sociedade civil na sede do Conselho Federal da OAB em dezembro de 2014.