É irresponsável não debater cultura do gasto público, diz Raul Velloso

Brasília – Durante a abertura do Fórum de Segurança Jurídica e Infraestrutura, realizado pela OAB Nacional nesta quarta-feira (23), o economista e consultor Raul Velloso afirmou que há no Brasil uma cultura de gastos públicos equivocada, e que, segundo ele, precisa urgentemente ser debatida com mais atenção. Velloso entende que há uma imperiosa necessidade de crescimento do investimento. “Se isso não ocorrer, não adianta, a economia não volta a crescer. Consequentemente, não conseguiremos trazer equilíbrio às contas públicas. Um ponto central é olhar com carinho para a infraestrutura. Temos gastos fundamentalmente correntes, assim o espaço para o investimento público é pequeno. Temos de reformar o modelo de concessões e de parcerias entre o setor público e a iniciativa privado. É irresponsável não discutirmos a mudança da natureza dos gastos”, apontou. Ele destacou que o gasto no Brasil é estruturado a crescer sempre. “No modelo praticado, o problema é que a arrecadação tende a cair e o gasto a subir. Há uma descaracterização do modelo de concessões que inicialmente havia no Brasil. Em vez da concessionária fixar o preço e gerenciar os riscos, o governo define os preços e retirando da concessionária a capacidade de lidar com riscos gerenciais”, disse. Raul Velloso é ph.D em Economia pela norte-americana Yale University. É membro do Conselho de Administração do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico-Social), da Embraer (Empresa Brasileira de Aviação) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), além de consultor e colunista dos jornais O Estado de São Paulo e O Globo. PALESTRAS Flávio Amaral Garcia, procurador do Estado do Rio de Janeiro, falou sobre a mutabilidade do contrato administrativo e a insegurança jurídica trazida, segundo ele, pela cláusula do equilíbrio econômico-financeiro. Ele propôs revisões do atual modelo contratual para buscar segurança e previsibilidade de investimentos. Para Garcia, a Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/1993) virou um dogma no Brasil. “Alguns gestores acreditam que ela ainda tenha total centralidade no sistema jurídico brasileiro e que qualquer modelo alternativo seja uma flexibilização perigosa, um conluio entre Estado e mercado. Vários governos já tentaram mudá-la e não conseguiram. Há uma fragmentação porque cada mercado tem sua lógica própria, enquanto esta lei tenta uniformizar objetos absolutamente distintos: considera a mesma coisa, por exemplo, licitar papel e a concessão de uma usina hidrelétrica”, comparou. Segundo o procurador, mudanças são necessárias porque cada vez mais se governa por contratos no Brasil. “Uma das maiores inovações que concretizam a eficiência é a inversão da fase de habilitação no Regime Direto de Contratação, no Pregão nas parcerias público-privadas. Utilizar a licitação como mecanismo de regulação é, cada vez mais, uma tendência”, disse. Ele também criticou a falta de planejamento dos projetos no Brasil, as medidas em que acontece a exorbitância da administração pública nos contratos e o consequente protecionismo às licitações no Brasil. “Devemos repensar em que medida é necessário reabrir esse mercado para que a concorrência seja mais global e abrangente”, disse. O advogado e professor de direito econômico Egon Bockmann Moreira abordou a questão das PPPs (Parcerias Público-Privadas) em um ambiente de crise. Entre as prioridades, explicou, estão a regulação, a estruturação, a liberação de licenças, a licitação, a contratação e, finalmente, a execução. Todos esses passos devem ser observados com mais cuidado. Há em andamento o projeto PPP Mais, que busca criar regras mais claras e seguras para as parcerias. Para que sejam garantidas, é necessária a criação de um conselho nacional com competência específica para projetos avançados, que passariam por financiamento específico, publicidade ampla e participação da sociedade. A contratação diferenciada deve ter limitação de burocracias formais e interação mais intenso com órgãos de defesa da concorrência, além de mínima intervenção pública, máxima aplicação das tarifas previamente combinadas, o uso de tribunais arbitrais em disputas e regras que limitem o uso de aditivos nos contratos.

Artigo: A prisão antes da hora

Brasília - Confira o artigo do presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, publicado na edição desta quarta-feira (23) do jornal Folha de São Paulo. A prisão antes da hora Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da OAB Nacional Em tempos difíceis, não raro as sociedades buscam saídas fáceis para resolver problemas que, em vez de serem atenuados, acabam por se agravar. Um exemplo básico desse tipo de movimento pode ser visto nos pedidos de pena de morte quando crimes de maior potencial ofensivo ganham o noticiário. Está em tramitação o Projeto de Lei do Senado nº 402/2015, que tenta derrubar um dos mais importantes pilares de nossa Constituição Federal: a presunção de inocência. O projeto pretende viabilizar o envio para a prisão de pessoas que ainda não foram consideradas culpadas por decisão definitiva da Justiça. Com esse projeto tenta-se alterar uma das cláusulas pétreas da Constituição sob a justificativa de que réus recorrerem em liberdade seria a causa de uma alegada sensação de impunidade que assola o país. É bom frisar que, caso o envio de pessoas para a cadeia a qualquer custo acabasse com sensações de impunidade, deveria tal sentimento existir num país com a quarta população carcerária do mundo? Além disso, sabemos que milhares de julgamentos nos tribunais superiores modificam decisões de órgãos colegiados estaduais. Quem irá restituir a liberdade suprimida indevidamente desses brasileiros? O processo penal tem por finalidade justamente proteger inocentes frente à atuação punitiva do Estado. Não é um instrumento de opressão estatal; antes, é o meio de assegurar a defesa ampla dos denunciados e a tutela da liberdade. A Constituição estatui que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Ou seja, não pode haver prisão como antecipação da pena, como já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, o que torna o projeto inconstitucional. Além disso, a fragilização de conquistas históricas não parece ser o caminho mais acertado. Entre as justificativas do projeto, defensores dizem que a Constituição expressou as garantias individuais em seu rol mais extenso devido ao receio de que o país passasse novamente por tempos obscuros. Com a democracia firme, não mais haveria necessidade de manter tais avanços. É exatamente num momento como este que se percebe a sabedoria dos constituintes na fixação das cláusulas pétreas. O texto da Carta buscou justamente evitar iniciativas como a que hoje se apresenta. Qual rumo pode tomar uma nação que fragiliza a presunção de inocência em nome da promoção de prisões para se acabar com sentimentos difusos de impunidade? Dar força a órgãos acusadores, que podem trancafiar seres humanos em masmorras, em detrimento de suas garantias legais, certamente não fará com que o Brasil avance no campo da democracia. O devido processo legal existe justamente para que o cidadão possa enfrentar o Estado sem medos. Dentro de uma cela, muitos espíritos se quebram. Na história, quantos já não confessaram crimes que não cometeram unicamente para encerrar o ciclo de violência de que são vítimas no cárcere? Nosso ordenamento já prevê situações em que pessoas podem ser detidas de forma preventiva. Previstas as hipóteses legais, a prisão cautelar pode ser efetuada. O que não é possível é a antecipação da punição nos termos do projeto. O bem mais precioso de um cidadão é sua liberdade. Devemos nos lembrar que o arbítrio sempre rondará esquinas da sociedade que hoje, felizmente, não são muito frequentadas. Ao fragilizarmos direitos fundamentais, trazemos para mais perto do sol resquícios do passado que devem permanecer trancafiados nas sombras.