Artigo: A hora e a vez da Justiça

Brasília - Confira artigo de autoria do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, publicado na edição desta sexta-feira (24), no jornal O Estado de S. Paulo.

A hora e a vez da Justiça

Claudio Lamachia, advogado e presidente nacional da OAB

A excepcionalidade do momento político que o Brasil atravessa, além dos danos de ordem econômica e social que provoca, reveste-se de profundo cunho moral, com efeitos diretos sobre a governabilidade e a credibilidade das instituições. É, afinal, a elite dirigente do País que está no banco dos réus.

A legislação determina que esses agentes públicos de primeiro escalão – presidente da República, deputados federais, senadores, ministros de Estado – sejam julgados no Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se do foro por prerrogativa de função, mais conhecido por foro privilegiado, concebido para resguardar os mais altos cargos do Estado – e não necessariamente seus ocupantes.

O legislador, certamente, não imaginou nem um cenário como o atual, com um volume colossal de inquéritos, para além da capacidade estrutural da mais alta Corte do País, nem a extensão de seus beneficiários, claramente excessiva, a reclamar redução.

O resultado é que o clamor da sociedade por justiça corre o risco de não ser atendido. Não ao menos em prazo razoável, o que leva a incorrer naquilo que Ruy Barbosa considerava “injustiça qualificada e manifesta”, qual seja, “a justiça atrasada”.

São hoje mais de 500 processos (inquéritos e ações penais), de competência originária, em trâmite no STF, que se avolumam em decorrência das investigações em curso, complexas e numerosas.

A diretriz constitucional da duração razoável do processo não pode, em hipótese alguma, ser negligenciada, sob pena de descrédito da própria Justiça. Mas isso tem ocorrido – e pode piorar. Basta ver o volume de delações de executivos da Odebrecht, além do de outras empreiteiras, em situação análoga, ainda em curso, envolvendo agentes públicos com assento no foro por prerrogativa de função.

Esse cenário impõe aos ministros do STF, que não é tribunal penal, uma intensidade de atuação incompatível com a estrutura disponível, com reflexos em sua rotina de Corte Constitucional.

Diante da impossibilidade de solução em curto prazo, já que depende de debate e alteração legislativa, o Supremo Tribunal deve contar com a convocação de magistrados instrutores, para que a justiça se concretize. A demora na prestação jurisdicional agrava o ambiente psicossocial adverso, que tem transtornado o País.

O efeito mais deletério se dá na predisposição manifesta contra a atividade política, em que alguns começam a considerá-la um mal em si mesmo, e não ela própria vítima da má conduta de alguns agentes públicos. O combate, porém, convém não esquecer, é contra a corrupção, não contra a política.

Não se pode permitir que o saneamento moral da vida pública – indispensável e inadiável – sirva de pretexto para o advento de tiranias, qualquer que seja a ideologia que pretenda fundamentá-las, à direita ou à esquerda. Seria mais imoral e lesivo ainda para o País. Crise política se resolve dentro da política; os males da democracia só encontram remédio dentro da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, observando-se o devido processo legal e a plena defesa.

Se a Justiça não pode ser lenta, e não pode, também não pode ser sumária, desprezando os seus ritos.

A justa indignação com que a sociedade brasileira recebe essas delações – gravíssimas, sob todos os aspectos – não pode ser objeto de manipulação por correntes extremistas que amaldiçoam a política para melhor dominá-la. É preciso que haja serenidade e bom senso para que não se caia na armadilha do autoritarismo.

 Não se pode ignorar o clamor das ruas, mas também não se pode ignorar a facilidade com que ele é passível de manipulação, sobretudo em tempos de internet, com suas redes sociais, que permitem pulverizar e manipular a informação – e mexer com o emocional das pessoas. Mais que nunca, os ritos judiciais precisam ser observados. É preciso, antes de mais nada, separar o joio do trigo

Os delitos relatados são de teor e gravidade diferenciados e como tal têm de ser tratados, sob pena de igualar os desiguais. A cada qual o seu quinhão. O momento histórico oferece oportunidade pedagógica única, que, dentro da lei e da ordem, há de propiciar uma graduação cívica sem precedentes à cidadania brasileira

Não defendemos corruptos. Achamos que todos, sem exceção, devem responder por seus atos, observado o devido processo legal, em que o direito de defesa seja plenamente respeitado.

A justiça não é um espetáculo, um show. Compreende-se a expectativa com que a sociedade aguarda a responsabilização dos agentes públicos que delinquiram. Mas o papel dos operadores do Direito – aí incluídos juízes, procuradores e advogados – é o de moderador, que, ao contrário do que alguns supõem, nada tem que ver com acobertar delitos, mas, sim, expô-los com absoluta clareza e segurança. E isso não se pode dar de maneira sumária. Não existe justiça sumária.

A própria representação da Justiça – os dois pratos da balança – pressupõe acusação e defesa, mediante os fatos contidos nos autos. O vazamento de delações atropela esse rito e condena o réu por antecipação. É a balança de um prato só.

Pouco importa que, na sequência, o réu seja inocentado: os danos já se terão mostrado irreversíveis. E aprendemos, ainda nos bancos escolares, que não há maior revés para a justiça – revés sobretudo moral – que a condenação de um inocente. A advocacia brasileira, nesses termos, vive um dos maiores desafios de toda a sua história: lutar pela justiça sem permitir que, em seu nome, haja injustiça.

O papel do STF é vital. Mas para que o exerça é preciso que funcione. E isso, diante da insuficiência estrutural que decorre da presente conjuntura, não lhe oferece alternativa senão a que sugerimos: requisitar, dentro do que a lei lhe faculta, todos os recursos humanos disponíveis da magistratura, para que atenda à demanda que aí está. A hora é da (e de) Justiça.

 

Colégio de Presidentes começa em Fortaleza com exaltação do papel da OAB em momentos de crise

Fortaleza - Foi aberto na noite desta quinta-feira (23) o Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB, em Fortaleza. O evento, que dura até sexta, reuniu dirigentes de todo o país e representantes da sociedade civil. Suas deliberações, sugestões e apontamentos são fundamentais para embasar as decisões do Conselho Pleno da OAB.

Ao declarar aberto o colégio, o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, ressaltou a imensa satisfação de realizar o evento em Fortaleza, “para reiterar nossa comunhão em favor da advocacia e da cidadania brasileira”. Em seu discurso, Lamachia relembrou a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil em temas essenciais da advocacia e da sociedade em um momento tão tormentoso da história do país.

“Vivemos momento dos mais delicados em nosso país. Temos enfrentado na OAB inúmeros desafios nesses 13 meses de gestão. Os desafios foram enormes, vencemos diversas dificuldades, sendo instados a falar sobre diversos temas e temos cumprido nosso papel”, afirmou, repassando a atuação da Ordem em momentos como o afastamento do ex-deputado Eduardo Cunha, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e o levantamento do sigilo da delação do ex-senador Delcídio do Amaral.

“OAB não faltou em nenhum momento, fomos ao Supremo Tribunal Federal pela presunção de inocência, porque este é o nosso papel democrático. Temos quase 86 anos de relevantes serviços prestados a este país.Recentemente ajuizamos ADPF para colocar freio nos excessos cometidos em conduções coercitivas, que muitas vezes desrespeitam o Código de Processo Penal. Somos muitas vezes contra majoritários, porque temos um compromisso de defesa intransigente do Estado Democrático de Direito”, afirmou Lamachia.

“Quando a OAB vai ao Tribunal Superior do Trabalho para que não tenhamos redução de horário de funcionamento, falamos por milhares de advogados. Quando vai ao STF pra inconstitucionalidade de leis estaduais que aumentam abusivamente as custas judiciais, estamos cumprindo nossa missão e papel. Quando desenvolvemos campanha e uma verdadeira caravana de prerrogativas que já percorreu 11 Estados, também cumprimos nosso papel e fortalecemos a atuação profissional dos advogados e afirmamos em alto e bom som que não aceitamos ver criminalizado nosso exercício profissional”, continuou, frisando que a entidade está atenta às propostas de reforma da Previdência e Trabalhista e que não aceitará retrocessos sociais.

“Vivemos hoje momento de muito desafios, notadamente a campanha de combate intransigente contra corrupção e impunidade. É claro que queremos isso, mas dentro das regras, tendo como norte a Constituição Federal e como objeto central a defesa permanente do devido processo legal e da ampla defesa. O que mais me orgulha na condução dos destinos de nossa instituição é ver a unidade que temos de propósito em diversos temas e a responsabilidade que todos os advogados brasileiros vivenciamos e administramos o momento atual com suas dificuldades”, finalizou.

Ao realizar seu discurso, o presidente da OAB-CE, Marcelo Mota, anfitrião da noite, saudou os presentes: “Percorro os olhos por este auditório e vejo em cada olhar essa premissa. Uma luta coletiva, em que destaca-se não apenas a atuação em defesa de prerrogativas, mas, sobretudo, de defesa de toda a sociedade, tendo por base a Justiça, a solidariedade, a ética, a fraternidade e o amor ao próximo. Elementos que norteiam nossa existência em prol da dignidade humana e da cidadania”, afirmou.

“O Colégio de Presidentes é importante porque é o momento em que as principais temáticas, da classe e da sociedade, são debatidas em conjunto. E a OAB, como trincheira cívica da cidadania, deve estar atenta a essas demandas. É o momento em que os advogados trocam experiências de gestão, avaliam suas ações e definem metas e estratégias para enfrentar os desafios a nós apresentados”, continuou.

Marcelo Mota ressaltou o papel da OAB na defesa dos direitos sociais e que a entidade não admitirá retrocessos sociais em pauta atuais, como as reformas da Previdência e Trabalhista. “Devemos defender acima de tudo o Estado Democrático de Direito, pautados na responsabilidade pelos interesses públicos. O Brasil espera isso da OAB. E é isso que a Ordem em todo o país irá representar, ao fincar, dia após dia, a sua bandeira”, afirmou. “Não podemos admitir que direitos sociais sejam tolhidos! E aí, repito: a OAB tem um papel preponderante em ser porta voz da cidadania, representando a todos, contemplando as diferenças e as diversidades, pois assim foi durante toda a sua história.”

O coordenador do Colégio de Presidentes de Seccionais, Homero Junger Mafra, afirmou em seu discurso que a advocacia fará um pacto entre a sociedade civil e a sociedade política. “É preciso que o pacto social seja recomposto nesse país. Não a partir de discursos aparentemente modernos, mas certamente a partir do encontro das forças produtoras desse país com a classe política. Criar um pacto nacional que dê legitimidade a tudo que se constrói. Não podemos viver nessa permanente crise. Nessa situação terrível. A advocacia não se intimidará”, explicou. ““Nossa unidade vai forjar uma Ordem cada vez mais forte”

“É preciso que olhemos a situação da advocacia e pensemos no que é o Conselho Nacional de Justiça. O CNJ está longe daquilo que sonhamos. O CNJ está longe de ser o órgão de controle externo da magistratura como a advocacia o concebeu. É preciso rediscutir o CNJ. Rediscutir um PJe imposto a advocacia, que torna as coisas difíceis e exclui da atividade muitos advogados. Encarece e não sabe trabalhar com o fácil”, disse. “Nos tempos mais duros a Ordem nunca faltou à sociedade brasileira. Sabemos que precisamos construir relações novas, mas essas relações novas não podem ser sobre o sacrifício de direitos”, asseverou.

Mesa de honra

Também compuseram a mesa de honra de abertura do Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB: o procurador-geral adjunto do Ceará, José Régis Nogueira Matias, representando o governador Camilo Santana; desembargador Washington Luis Bezerra de Araújo, vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará; Audic Mota, deputado estadual, representando a Assembleia Legislativa do Estado; Odorico Monteiro, deputado federal; Rolden Botelho de Queiroz, presidente em exercício do Tribunal de Contas do Ceará; desembargador Francisco José Gomes da Silva, representando o Tribunal Regional do Trabalho do Ceará; Plácido Barroso Rios, procurador-geral de Justiça; e Mônica Barroso, representando a defensora pública geral do Estado do Ceará.

A mesa contou ainda com as seguintes autoridades: Felipe Sarmento, secretário-geral da OAB Nacional; Ibaneis Rocha, secretário-geral adjunto; Antonio Oneildo Ferreira, diretor tesoureiro; Valdetário Andrade Monteiro, conselheiro federal e representante institucional da OAB no Conselho Nacional de Justiça; Erick Venâncio Lima, conselheiro federal e representante institucional da OAB no Conselho Nacional do Ministério Público; os membros honorários vitalícios Ernando Uchôa Lima, Roberto Antonio Busato e Ophir Cavalcante Junior; Ricardo Peres, coordenador nacional das Caixas de Assistência dos Advogados; os conselheiros federais Ricardo Bacelar Paiva (CE), Caio César Vieira Rocha (CE), Marcello Terto e Silva (GO) e André Godinho (BA).

Os presidentes de Seccionais da OAB: Marcus Vinicius Jardim Rodrigues (AC), Fernanda Marinela (AL), Paulo Henrique Campelo Barbosa (AP), Luiz Viana Queiroz (BA), Juliano Costa Couto (DF), Lúcio Flávio Siqueira de Paiva (GO), Tiago Diaz (MA), Antonio Fabrício de Matos Gonçalves (MG), Mansur Elias Karmouche (MS), Leonardo Pio da Silva Campos (MT) e Alberto Antonio de Albuquerque Campos (PA).

Os presidentes de Seccionais da OAB: Paulo Antonio Maia e Silva (PB), Leonardo Accioly, vice-presidente de Pernambuco, Francisco Lucas Costa Veloso (PI), José Augusto Araújo de Noronha (PR), Felipe Santa Cruz (RJ), Paulo de Souza Coutinho (RN), Rodolfo César Maia de Morais (RR), Ricardo Breier (RS), Paulo Marcondes Brincas (SC), Henri Clay Andrade (SE) e Walter Ohofugi Junior (TO).