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EE 5: ‘Fake news’ e direito ao esquecimento guiam debate sobre liberdade na era digital
São Paulo - Dois dos temas mais relevantes do mundo digital na atualidade - as notícias falsas e o direito ao esquecimento - estiveram presentes no evento especial “Liberdade de Imprensa e de Expressão”, da XXIII Conferência Nacional da Advocacia do Brasil, na tarde desta segunda-feira (27), em São Paulo.
No primeiro painel, os conferencistas debateram as "fake news", em uma mesa mediada por Paulo Tonet Camargo, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e composta pelos jornalistas Sérgio Dávila e Manoel Fernandes, mais o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira.
Já o segundo painel, sobre o direito ao esquecimento, contou com a mediação de Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), e teve como debatedores o editor de livros Carlos Andreazza, o advogado Gustavo Binenbojm e o presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), Fábio Gallo.
Antídoto às ‘fake news’
Na abertura do primeiro painel do evento especial, Paulo Tonet Camargo enfatizou que o jornalismo profissional já cumpre um papel essencial para enfrentar a falta de credibilidade das notícias falsas divulgadas pela internet, por conta do compromisso com a responsabilidade.
"Nunca o jornalismo profissional, independente e empresarial foi tão relevante para creditar a informação”, afirmou o presidente da Abert, acrescentando que é essencial criar mecanismos de responsabilidade para quem difunde informações mentirosas. "Não é possível que as plataformas tecnológicas de hospedagem digam que não tenham relação com as 'fake news'", completou.
Editor-executivo da Folha de S.Paulo, Sérgio Dávila concorda com Tonet sobre a necessidade de fortalecer o jornalismo profissional como uma ferramenta de enfrentamento às notícias falsas. "O primeiro antídoto contra as 'fake news', a curto prazo, é o jornalismo profissional, aquele que segue uma série de posições e posturas éticas e comportamentos, além de critérios técnicos”, explicou. No entanto, o jornalista ressalva que essa medida é apenas transitória. "O outro antídoto, esse a longo prazo, é a alfabetização digital, de ensinar nossas novas gerações a navegar pela internet", destacou.
Fundador e sócio da Bites Consultoria, Manoel Fernandes afirma ser impossível acabar com a profusão de notícias falsas via Internet, citando um estudo internacional que prevê, até o ano de 2020, mais produção de conteúdos falsos do que verdadeiros. "Quem vai nos ajudar a enfrentar isso são os órgãos de imprensa, em um grande consórcio, porque nenhuma empresa de mídia sozinha conseguirá enfrentar isso."
O analista de dados também frisa a necessidade de que os meios tradicionais invistam em ferramentas tecnológicas, que são, em grande parte, o segredo do sucesso da propagação de notícias inventadas. "Se não usarmos as mesmas técnicas, vamos ficar um passo atrás, já que para produzir um fake news é muito fácil: basta ter uma conexão de Internet”, frisou.
Já Manuel Alceu Affonso Ferreira acredita que o combate às informações falsas é dificultado por, segundo ele, uma própria "inclinação humana de sentir mais atração por uma notícia mentirosa do que uma correta". O advogado sugere como um "caminho jurídico" a criação de uma comissão formada por "todos os defensores do jornalismo profissional", destinada a analisar profundamente o fenômeno. "A partir desse estudo, seria possível encaminhar um projeto de lei contra a fake news”, previu
Direito à informação pública
Na mediação da mesa do segundo painel do evento especial Liberdade de Imprensa e de Expressão, o jornalista Marcelo Rech abriu a fala salientando que a questão do direito ao esquecimento na era da Internet é recente, mas de "primeira grandeza na Europa e nos Estados Unidos", e que se ampara em duas visões: uma primeira que preza pelo direito à privacidade e outra que reivindica o direito à liberdade de informação.
O presidente da ANJ defende incondicionalmente o segundo ponto, embora resguarde ser fundamental a existência de uma distinção entre as esferas pública e privada. "A imprensa responsável faz o direito à atualização quando o assunto é de interesse público”, afirmou.
Carlos Andreazza também defende o princípio de publicar aquilo que "for matéria de interesse público." "Como editor, é a vida pública que me interessa, e não a privada. Tenho desinteresse pela vida privada de uma pessoa até mesmo como forma de protegê-la." O editor de livros e colunista enfatizou que é preciso impedir qualquer proibição à publicação de informações que sejam apuradas com responsabilidade. "Se prosperar essa pauta do 'direito ao esquecimento', o que teremos a longo prazo é a impossibilidade de se contar uma história”, alertou.
O advogado Gustavo Binenbojm é outro defensor de que a sociedade tenha o direito de conhecer a informação "licitamente apurada", mesmo que coloque alguém em uma "situação desabonadora". "Só há uma maturidade de nação quando todos nós possamos defender a liberdade de expressão, ainda que ela possa ser usada contra nós", manifestou. Caso prevaleça o entendimento favorável ao direito ao esquecimento no STF, vai se criar uma estado mais autoritário, "que vai definir o que deve ou não deve estar publicado”.
Atual presidente da Aner, Fábio Gallo disse que deve prevalecer o bom senso na questão do direito ao esquecimento. "Não se pode anular uma informação, mas o cidadão tem o direito de ter as informações atualizadas." Ele acrescenta: "qualquer retirada de conteúdo fere a liberdade de expressão e incentiva a censura”.
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Painel 1: Direitos humanos, ativismo judicial e igualdade guiam encontro
São Paulo - O respeito às normas internacionais dos direitos humanos e à divisão de poderes deu o tom do Painel 1 – Dignidade da Pessoa Humana - no primeiro dia da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. A mesa, que ocorreu ao longo da tarde de segunda-feira (27) com excelente presença de público, foi presidida por Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior e contou com a relatoria de Sílvio Pessoa de Carvalho Júnior e secretaria de Antonio Cândido Barra Monteiro de Britto.
“Cabe a nós cumprir com mais seriedade os pactos e tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Com isso, poderemos nos abrir a uma sociedade que não deixe de ter a pluralidade como força motriz e que esteja sempre de portas abertas para a aquição de direitos fudamentais”, afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edson Fachin, cuja conferência deu início aos debates do painel.
A incorporação das normas internacionais dos direitos humanos, ressaltou o magistrado, não são incompatíveis com a soberania do país. Pelo contrário, disse, estão em plena concordância com a Constituição Federal de 1988, sobretudo no art. 5º, que reconhece a proeminência da dignidade humana. “Essas mudanças realizam as promessas constitucionais e fazem com que a Constiuição se torne aquilo que prometeu ser”, explicou.
Fachin pontuou ainda que uma Constituição deve ser como uma catedral em permanente construção – metáfora que permite supor um respeito à estrutura existente, porém com modificações pontuais necessárias para mantê-la em pé e funcional. “Esse processo tem como premissa não desconsiderar a norma posta, mas considerar a atividade interpretativa, por meio da qual se constrói o direito permeando com justiça cada caso em concreto.”
Nesse sentido, a professora de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Flavia Piovesan atestou que é fudamental intensificar o diálogo entre a ordem interna e internacional dos direitos humanos. “Temos que derrubar os muros”, afirmou. “Temos que considerar a aplicação dos direitos humanos em uma perspectiva multinível, envolvendo as arenas global, regional e local, guiados pelo princípio maior da prevalência da dignidade humana”, opinou.
De acordo com Piovesan, que a partir de janeiro ocupará um assento na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), a questão exige uma interpretação cosmopolita do direito. “Pensar os Direitos Humanos no século 21 é pensar na internacionalização dos direitos humanos” – o que, continua, é essencial no momento histórico que vivemos, marcado pelo ressusrgimento do nacionalismos e de discursos de ódio.
A professora sublinhou a importância do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a quem reputa papel relevante na desestabilização de ditaduras e na proteção de populações vulneráveis, como indígenas, mulheres e migrantes. “O Sistema Interamericano salvou e salva vidas”, afirmou. Piovesan ponderou, no entanto, que não adianta termos cláusulas e dispositivos jurídicos avançados sem uma interpretação condizente com as potencialidades. “Não podemos ser reféns de mentes cerradas, com interpretações reducionistas.”
Ativismo judicial
O ministro do STF Alexandre de Moraes dedicou a intervenção a discutir o respeito à dignidade humana no contexto de ativismo judicial vivivo pelo país atualmente. “Há uma dificuldade de transformar os princípios de direitos humanos em normas constitucionais”, ressaltou. “O Judiciário confunde o que é interpretação constitucional, o que é ativismo judicial e o que não seria nem interpretação nem ativismo judicial, mas uma excentricidade dos juízes, marcada por grande subjetivismo.”
De juízes de primeira instância aos ministros do Supremo, todo magistrado age, segundo o ministro, com certo grau de ativismo. “Não estou condenando o ativismo nem confundindo ativismo com interpretação, mas precisamos verificar os limites do ativismo, além de identificar as excentricidades judiciais, que extrapolam qualquer contenção jurídica e acabam substituindo – a meu ver, de maneira muito perigosa – a decisão do legislador”, explicou.
Alexandre de Moraes fez menção especial à atuação política do Poder Judiciário, que criticou. “Se o Judiciário quiser se transformar no principal ator político, perde a legitimidade de moderanção perante os demais Poderes da República, entra na guerra do jogo político e passa a perder, com o tempo, a própria legitimidade de dizer a última palavra”, analisou. “Quem está na briga não pode dizer a última palavra. Mas quem tem o papel histórico de moderador pode.”
De maneira didática, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão analisou os prós e contras do ativismo judicial – processo que tem sido chamado de “judicialização da vida” e cujas origens o magistrado detectou cronologicamente no pós-Guerra. “Devido às barbáries que ocorreram na Segunda Guerra, decidiu-se que o Judiciário seria o melhor canal para resolver os problemas e conflitos políticos e sociais”, explicou.
Tal fenômeno, de acordo com Salomão, ganhou força no Brasil com a Constituição de 1988, que reconheceu uma série de direitos sociais, com destaque à dignidade da pessoa humana. “O somatório de direitos enumerados pela Constituição e a ausência de políticas públicas para viabilizá-los resultaram, no país, em um processo de judicialização muito grande”, disse. “O dilema que o juiz enfrenta todos os dias é decidir-se entre uma posição de contenção ou de pró-atividade no julgamento dos casos”, frisou.
O ministro do STJ enumerou elementos que lhe parecem positivos no ativismo judicial, como a defesa de minorias que não encontram representação nas instâncias políticas e a exigência ao cumprimento de políticas públicas. Em contrapartida, Salomão reconhece que os juízes não possuem “legitimidade democrática” ao determinar o cumprimento de certas decisões, uma vez que não foram eleitos e não têm condições de avaliar a vontade do povo. Outro aspecto negativo seria a politização do Judiciário, além da influência da mídia.
A grande margem de interpretação e ativismo dos juízes cria ainda outros problemas, como ressaltou o membro honário vitalício do Conselho Federal da OAB Marcus Vinicius Furtado Coêlho. “O direito não pode ser uma loteria. O momento mais importante do processo judicial não pode ser sua distribuição para a turma A ou B do STF, para o juiz que pensa assim ou pensa assado. Queremos que todos os brasileiros tenham o princípio da isonomia respeitado”, afirmou.
De acordo com Coêlho, o Poder Judiciário deve exercer uma “função pedagógica”, mostrando à sociedade que as decisões são coerentes com o conceito de igualdade dos cidadãos perante a lei. “Isso fará com que aja, inclusive, uma diminuição no número de litígios em nosso país. O fato de termos uma grande ocorrência de reinterpretações fará com que tenhamos no país mais e mais processos”, afirma.
“Hoje, temos 100 milhões de processos tramitando no país”, continuou Coêlho. “Se o cidadão entende que pode haver tratamento desigual para situações iguais e que os precedentes dos tribunais às vezes não são respeitados nem pelos próprios tribunais, ele obviamente vai recorrer à Justiça em busca de direitos”, concluiu.
Igualdade de direitos
O painel sobre dignidade humana encerrou-se com a intervenção de Victoria Ortega, presidente do Conselho Geral da Advocacia Espanhola. Primeira mulher a ocupar a direção da instituição no país em mais de 75 anos de história, Ortega falou sobre a igualdade de direitos entre homens e mulheres não apenas na Espanha, mas no mundo – uma reivindicação que, apesar dos avanços pontuais em algumas áreas e nações, ainda não se fez realidade.
“Vivemos um momento histórico em que se discrimina metade da população mundial: as mulheres”, considerou, insistindo que, ao contrários de outros coletivos vítimas de preconceito, violência e discriminação, as mulheres não são minoria. “Temos que implementar seriamente os direitos femininos. Queremos ocupar postos de liderança, não apenas ser convidadas para inaugurações.”
Painel 2 – Os ataques à garantia do direito de defesa em análise na Conferência
São Paulo - As garantias do Direito Constitucional de Defesa foram o tema do Painel 2 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, realizado nesta segunda-feira (27), em São Paulo. O painel foi presidido por Fernando Santana Rocha, teve como relator Charles Sales Bordalo e como secretário José Maurício Vasconcelos Coqueiro.
O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, fez uma breve fala durante os debates e destacou a importância fundamental do direito de defesa. "Precisamos combater os malfeitos, mas isso deve ser feito sempre nos termos da lei, com respeito à Constituição Federal e com direito a ampla defesa, isto é fundamental", disse Lamachia.
Na abertura, Juliano Breda, conselheiro federal da OAB, falou sobre o “Direito à Prova e Prova Ilícita”. “Hoje, esse assunto está ligado à garantia de qualquer sistema democrático e evoluiu muito nas últimas décadas”, afirmou Breda, que fez um apanhado histórico do tema, desde a Segunda Guerra Mundial à reforma constitucional que deu origem à Operação Mãos Limpas, na Itália.
Segundo o advogado, no Brasil, a Constituição de 1988 não previa autorização para a realização de grampos telefônicos, mas depois passou a haver um “movimento pendular” da jurisprudência que se reflete no limite do uso da interceptação telefônica.
“Devemos destacar a grave violação do direito à defesa. A Lei 11.767 estabeleceu como direito do advogado a inviolabilidade de seu escritório e de seus objetos, mas há registros diários de violações. A relação dos advogados com seus clientes deve ser protegida”, advertiu.
Breda abordou ainda os problemas relativos às escutas ambientais e apontou que a limitação do direito constitucional só pode ser feita de maneira clara. “O STF terá que se posicionar sobre provas obtidas com escutas ambientais. Há que se defender o direito à privacidade contra provas ilicitamente obtidas”, disse.
Defesa da defesa
Já o advogado Philippe-Henri Dutheil, presidente da Comissão Permanente de Assuntos Europeus e Internacionais do Conselho Nacional das Ordens dos Advogados da França, abordou o tema “Defesa da Defesa”. Segundo ele, embora a França tenha se notabilizado como bastião da democracia, a onda de atentados terroristas tem feito com que haja ameaças às garantias do direito de defesa.
“A globalização faz com que nos enfrentemos com ameaças de intimidação e perseguição a advogados por parte de governos, indústrias e o próprio crime organizado”, afirmou Dutheil.
Como prova da gravidade do problema e da importância da organização que preside, ele fez um breve relato de ataques ocorridos em países como Turquia, China, Rússia, Afeganistão e Malásia, entre outros. “Em Cabul (Afeganistão), o Taleban invade tribunais de armas em punho e sequestra advogadas. Na Malásia, há casos de advogados presos por defender homossexuais. Na China, nossos colegas são presos com suas famílias e depois assassinados”, relatou.
O tema “Interceptações Telefônicas e Telemáticas e Sigilo das Comunicações do Advogado” foi apresentado por Andrei Zenkner Schmidt. O advogado classificou o assunto como um “problema contemporâneo”. “Um dos meios de obter provas é a interceptação telefônica. E estamos falando de garantias individuais asseguradas pela Constituição”, disse ele, apontando como referência a Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia, que garante o sigilo entre conversações travadas por advogados e seus clientes.
Schmidt também frisou a importância do dever de fundamentação das decisões judiciais no que toca à escuta. “A Lei 9.296, de 1996, aponta o dever de fundamentação no que diz respeito à prática de escutas telefônicas.” O advogado apontou, no tocante ao sigilo das comunicações, a preservação do sigilo entre advogado e cliente. “Temos o sigilo vulgarmente atropelado”, afirmou. Como exemplo do problema, apontou o acesso à imprensa de grampos telefônicos que, segundo ele, “nada têm a ver com liberdade e são arbítrios que vêm crescendo”.
Cobertura da imprensa
“Direito e Defesa, Exposição Pública do Suspeito e Publicidade Opressiva” foi o tema discorrido por Lenio Streck, professor da Unisinos. O advogado fez uma severa crítica às coberturas realizadas pelos meios de comunicação em relação às operações desenvolvidas pela Polícia Federal e disse que a mídia não é apartidária nem isenta em seus relatos.
“Imagens exclusivas ao [programa] ‘Fantástic’o violam os direitos de privacidade. Elas só podem ser veiculadas mediante a lei. Escritórios são invadidos e não se pode falar ao telefone. Tudo é espetacularização [da mídia]”, afirmou.
Streck também acentuou a responsabilidade de muitos advogados no problema. “Não é possível defender a Constituição quando ela nos favorece e deixar de fazê-lo quando ela nos prejudica”, afirmou.
O advogado Alberto Zacharias Toron falou sobre “Acesso à Justiça e Jurisprudência Defensiva”. Uma de suas principais preocupações relacionou-se ao ataque que, segundo ele, vem sendo desferido à instituição do habeas corpus. “Não podemos esquecer que foi em um habeas corpus que o STF garantiu ao advogado ter direito aos autos para realizar investigações. Agora, o STF não pode abrir mão de seu papel de defensor da Constituição”, disse.
Toron também classificou como uma “praga” os julgamentos monocráticos. “O advogado interpõe o habeas corpus e ele é monocraticamente indeferido. Isso priva o advogado da defesa oral”, disse. Em sua apresentação, o advogado também atacou a aplicação da condução coercitiva. Segundo ele, a medida é adotada “sem que o conduzido seja intimado uma única vez.”
A advogada Heloisa Estellita abordou o tema “Direito de Defesa e Presunção de Inocência”. Ela se deteve principalmente sobre questões técnicas que acabam obstaculizando o direito de defesa. “Por isso, proponho um diálogo entre penalistas e processualistas no que diz respeito ao direito de defesa. Isso porque há penas [que são proferidas] sem direito de defesa. Denúncias ineptas não rejeitadas obstacularizam o direito de defesa”, afirmou.
Segundo a advogada, uma denúncia inepta é a negativa do direito de defesa. “Há denúncias feitas de forma genérica. E há necessidade de aditamento da denúncia”, diz. Segundo ela, cabe à denúncia fazer a narrativa de um fato concreto. Porém, Estellita afirma que nem sempre isso tem ocorrido no Brasil: “Temos as narrativas dos fatos, mas não temos os fatos criminosos.”
O Painel 2 foi encerrado com a exposição por Ricardo Breier, presidente da OAB-RS, do tema “Crise do Direito no Estado Democrático de Direito”. O advogado iniciou sua fala questionando a possibilidade de se falar do tema frente à existência de tal Estado. “Isso ocorre porque temos um Estado que não está sendo cumprido”, disse.
De acordo com o advogado, as instituições não estão conseguindo manter os princípios da legalidade, o respeito às regras. Um dos motivos, de acordo com Breier, é o fato de haver crises acarretadas por políticas criminais com origem em políticas repressivas.
“Os discursos que vemos hoje ferem o discurso da legalidade. Assim, o direito de defesa se perde”, afirmou o presidente da OAB-RS. Breier apontou ainda que os advogados são os mais prejudicados. “Nossos advogados não estão morrendo moralmente, mas também fisicamente. E são presos quando exercem o direito de defesa”, afirmou.
Painel 3 – Os passos para a necessária reforma política debatidos no evento
São Paulo - A análise sobre as causas e possíveis soluções para a crise institucional que vitima o Brasil desde as últimas eleições presidenciais ditou o debate do Painel 3 da XXIII Conferência Nacional da OAB, nesta segunda-feira (27), em São Paulo.
A mesa “A Necessária Reforma Política”, sob a mediação de Luís Cláudio Alves Pereira e Pedro Henrique Braga Reynaldo Alves, conselheiros federais da OAB, contou com Admar Gonzaga, ministro do TSE, Aldo Arantes, advogado e deputado constituinte em 1988, André Lemos Jorge, advogado e professor da Uninove, Tiago Asfor, juiz do TRE-CE, e Luciana Nepomuceno, conselheira federal da OAB. O presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, compareceu durante os debates e fez um breve pronunciamento saudando os presentes.
Os conferencistas apresentaram, cada um, aspectos distintos envolvidos no debate da reforma política. Gonzaga, do TSE, abriu o diálogo com uma ponderação sobre a real representatividade popular permitida pelo sistema eleitoral vigente. “O nosso sistema é dirigido aos políticos, como se fossem pessoas ungidas, castas elevadas da sociedade para dirigir as nossas vidas. E nós vemos muito pouca mudança na fisionomia desses políticos, são sempre os mesmos. Por quê? Porque nós temos um sistema de legislação partidária, eleitoral e política elaborada por aqueles que são destinatários da própria norma”, afirmou.
Para Gonzaga, há dois movimentos realmente capazes de dar início à mudança desse ciclo vicioso: a cláusula de barreira, aprovada pelo Senado em outubro deste ano e que aguarda a sanção presidencial, e uma maior participação da população nos partidos.
"Hoje, muitos partidos têm donos, oligarcas. E antes das eleições já sabemos tudo: quem serão os puxadores de voto, quem será eleito, quem são as mulheres que estão nos partidos apenas como 'laranjas de saias' para cumprir a legislação...", exemplificou. "Esses grupos obstruem a democracia. O presidente, quando for aprovar uma lei, vai precisar negociar com eles".
Com a cláusula de barreira, que, se sancionada por Michel Temer, reduzirá o número de partidos qualificados a disputar vagas no Parlamento, Gonzaga acredita que os partidos precisarão se reorganizar em torno de identidades ideológicas e, assim, abrirão necessariamente espaço para a disputa interna e para que a sociedade tome os partidos. O ministro ressaltou que esse é o primeiro passo, antes mesmo de mudar as regras eleitorais vigentes, para conquistar mudança.
"Falam da cota para mulheres no parlamento, mas acho que, primeiro, deveria haver a cota para mulheres na direção partidária. Só assim pode haver democratização das legendas. Só existe democracia onde há igualdade de gênero. E onde não há igualdade de gênero hoje? Nos partidos", concluiu.
Democracia, só com igualdade
Luciana Nepomuceno, conselheira federal da OAB por Minas Gerais, expôs dados que demonstram quantitativamente o abismo entre homens e mulheres na ocupação das posições de poder político no Brasil: com apenas 9,9% de parlamentares mulheres, o país hoje ocupa a 115ª posição no ranking global da igualdade de gênero na política, atrás de nações como Afeganistão, Israel e Venezuela --na América Latina, estamos à frente apenas do Haiti.
Luciana expôs ainda que, em 2014, 90% das mulheres que concorreram a algum cargo não foram eleitas; em 2016, 95% das concorrentes foram derrotadas nas urnas. Após a última eleição municipal, foram eleitos 4,9 mil prefeitos, contra apenas 640 prefeitas no Brasil.
"Essa situação é o preconceito de gênero, social, que se estende ao espaço infrapartidário. Por isso, é necessário que haja democracia no âmbito dos partidos. Fizemos uma pesquisa com mulheres candidatas a vereadora nas eleições do ano passado e o resultado é que elas se sentem candidatas de segunda categoria, humilhadas, sem dinheiro, sem material. Isso é um óbvio desestímulo para as mulheres e suas candidaturas", relatou.
Luciana afirmou, ainda, que conhece de perto o problema das "mulheres fruta", mais especificamente, as "mulheres laranja". "Quando olhamos os dados da última eleição municipal, vemos que 46 mil candidatas a vereadoras tiveram dez votos ou menos, e, dessas, 40% não receberam voto nenhum, nem mesmo o seu próprio", contou Luciana.
Mesmo esses que parecem casos de fraude relativamente simples de identificar, porém, devem ser observados com atenção, de acordo com Luciana: "O Ministério Público fez uma ação contra essas fraudes, mas constatamos que é muito comum, também, que as mulheres com nenhum voto fossem candidatas legítimas, mas que, ao encontrarem o tratamento habitual dedicado às candidatas em seus partidos, simplesmente desistiram da campanha. Não queriam, mas foram usadas apenas para preencher a cota legal".
O Judiciário também engessa a política
O presidente da OAB da Bahia, Luiz Viana Queiroz, ressaltou que o próprio Judiciário também é responsável por alimentar as idiossincrasias da atual política brasileira. “O direito eleitoral, de certa forma, aprisionou a política", afirmou. "O excesso e o rigor das regras, com o objetivo de conter ou reprimir o abuso de poder, para garantir a legitimidade do resultado, acabou por gerar o efeito oposto: falta de representatividade na política", explicou.
Viana relembrou que, nas últimas décadas, a palavra final sobre os resultados das eleições invariavelmente tem sido dos tribunais e não das urnas. O caso mais recente foi o julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE, neste ano. "Um candidato que não tem um bom advogado e um bom contador é melhor nem entrar na disputa, porque vai certamente ser derrubado nas tecnicalidades. As mesmas com as quais os cidadãos comuns nem conseguem lidar", afirmou.
"Vemos sempre políticos acusados de receber propina dizendo que, na verdade, tratava-se de caixa 2. Mas todos com as contas aprovadas no TSE. Ou seja, ao invés de ser um mecanismo para garantir a legitimidade da eleição, a prestação de contas serve, por um lado, para impedir a entrada do cidadão comum na disputa e, por outro, para camuflar o corrupto", ponderou.
André Lemos Jorge, professor da Uninove e ex-juiz do TRE-SP, também relatou como o sistema é frequentemente usado por quem tem intimidade com os mecanismos para beneficiar a própria categoria.
"Quando cheguei ao TRE, ouvíamos todas as vezes os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e eu fui até estudar, porque, como professor, eu nunca ouvi esses princípios sendo aplicados por advogados e promotores como estavam sendo feitos, sobre os temas mais diversos. E, realmente, o único fator comum que encontrei nos pedidos que analisei era a comodidade de quem o pediu", relatou.
Jorge ressaltou ainda que, atualmente, já há uma infinidade de "minirreformas" políticas após cada eleição, por meio do Congresso ou provocadas por ações de candidatos e partidos na Justiça Eleitoral, e que forçam mudanças no regulamento eleitoral. "Já fui contra a cláusula de barreira, mas, na minha experiência no TRE, vi como, a cada ano, às vésperas das eleições, eram criados diversos diretórios municipais de partidos apenas para integrar coligações. Posso até voltar a mudar de ideia, mas, hoje, acho que é uma medida necessária para ordenar o sistema", refletiu.
Aldo Arantes foi o único integrante da mesa a discordar da cláusula de barreira como medida capaz de avançar a solução de todos problemas expostos pelo debate. Arantes relatou como, desde que foi presidente da UNE à época do governo de João Goulart, tem sido testemunha das mesmas manobras pelos grupos dominantes da política, com o objetivo da autopreservação.
"Vejo, hoje, surgindo o parlamentarismo como opção, novamente. Foi assim na época da 'Crise da Legalidade', quando não queriam deixar Jango assumir a presidência, foi isso o que fizeram. Essa medida é para que? Para que o povo não escolha o presidente. As reformas políticas que se propõem hoje também são, em maioria, dessa forma: mantém os privilégios desses grupos", afirmou.
Arantes é uma das lideranças da campanha da OAB por um projeto de lei de iniciativa popular com uma reforma política robusta. "Mas levamos o projeto, com mais de 900 mil assinaturas, para o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Ele teve poder para engavetar sem nem ler um projeto apoiado por quase um milhão de brasileiros", lamentou.
"Só será possível encontrar solução se o critério da reforma for a soberania popular", concluiu Arantes.