EE 15 – Conferência debate os desafios contemporâneos do direito eleitoral

São Paulo - A manhã desta terça-feira (28) foi marcada por debates sobre os  desafios contemporâneos para o Direito Eleitoral, com o Evento Especial 15, coordenado por Erick Wilson Pereira (presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB).

Iniciando os trabalhos da primeira mesa, com o tema Partidos Políticos entre Democracia e o Autoritarismo, a presidente da mesa Vânia Siciliano Aieta (conselheira seccional e presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ) falou sobre a situação política atual e dos partidos. “Nós não podemos deixar de dizer que os partidos continuam a ser um grande elo de representação da sociedade. Hoje, nós vivemos uma crise na representatividade, mas os partidos não podem ser vilões por essas mazelas que vivemos”, alertou.

Disse, ainda, que esse assunto deve ser objeto de preocupação e que é preciso transparência e fiscalização. Vânia também aproveitou a oportunidade para falar sobre o livro “Criminalização da Política”, do qual é autora. 

O primeiro palestrante a falar foi Bruno Rangel, presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB-DF, que discutiu regras e condições para os partidos políticos e apresentou uma proposta. “É notória uma crise de identidade tanto na expectativa da população em relação à Justiça Eleitoral quanto em relação aos políticos. É preciso estabelecer regras para partidos políticos, começando com uma distribuição qualitativa do fundo partidário”, afirmou.

Em seguida, o palestrante Silvio Salata, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, falou dos interesses pessoais de deputados eleitos e não propriamente do compromisso com os programas dos partidos. Disse ainda que o grande desafio para o Direito Eleitoral será a criação de uma comissão permanente na Câmara Federal e uma participação direta da sociedade civil. 

O tema foi também abordado pela palestrante Gabriela Rollemberg, vice-presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB, que propôs uma análise a respeito do princípio de igualdade dentro das legendas, sobre a submissão, e uma melhor análise de contas, além de igualdade entre homens e mulheres nas executivas internas das siglas. “Falta representatividade e qualidade dos partidos políticos atualmente. Precisamos de definições de parâmetros mais claros dos gastos, da criação de um órgão de controle interno, e é interessante que a própria OAB entre nessa discussão”, propôs.

Pierre Vanderline, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SC, discutiu os interesses dos filiados de partidos que, na maioria das vezes, não são levados em consideração dentro das agremiações. Ele destacou que, para mudar tal quadro, o próprio filiado deve receber educação política e saber que tem o poder de mudar a situação. “Destaco ainda, a participação feminina nas decisões e lideranças. A solução seria um marco regulatório, uma mudança legislativa, que obrigue voto secreto dos filiados para fazer valer a vontade deles”, disse.

A mesa teve como relator Emerson Delgado Gomes, integrante da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB, e secretário, Wederson Advincula Siqueira, que, finalizando o primeiro debate, fez uma homenagem ao coordenador do evento, Erick Wilson Pereira, presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral.

Reforma política

Já a segunda mesa do evento teve como tema “Efeitos e Eficácia da Reforma Política”, e tratou da perspectiva democrática em face do processo eleitoral de 2018. Contou com a presença da palestrante Maria Garcia, membro efetivo da Comissão Especial de Reforma Política da OAB-SP, que apresentou ideias sobre a reforma política e destacou pontos importantes, como a alteração do sistema eleitoral e partidário. Também ressaltou que os partidos precisam se remodelar no Brasil, com programas de governo claros. “A educação política no Brasil é absolutamente precária e os partidos devem ensinar o que é um partido, o voto, isso traria legitimidade”, explicou.

Já o debatedor Delmiro Dantas Campos Neto, da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB, enfatizou a necessidade de uma reforma de Estado e estrutural antes da reforma política: “Uma reforma política exige uma reforma estrutural de poder e acesso, o que estamos enfrentando são apenas reformas eleitorais e infelizmente está longe do esperado pela sociedade”, criticou.

O relator Colemar José de Moura Filho, também da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB, disse estar preocupado com o futuro das agremiações partidárias, principalmente com as que têm uma posição mais ideológica, caso ocorra a reforma política. Observou que as redes sociais podem ser uma ferramenta fundamental para as próximas eleições, já que, de acordo com ele, elas ampliam debates.

A mesa contou ainda com Diana Câmara, da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB, que enalteceu o espaço para discussão do tema e da participação de mulheres não só na política, mas em outras situações. “A mulher não precisa disputar espaço com o homem. Essa transformação precisa ser natural, tem que caminhar e estar no lugar certo em qualquer área de sua vida”, afirmou.

Os trabalhos da manhã foram encerrados pelo presidente da mesa, com uma homenagem a palestrante Maria Garcia. Além disso, todos os participantes do evento receberam um exemplar do livro-coletânea “Reforma Política: Brasil República”, em homenagem ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello. A publicação em homenagem ao decano da Corte foi realizada pela Editora OAB e tem o prefácio do presidente do Conselho Federal da Ordem, Claudio Lamachia.  

EE 12 – Reparação da escravidão e erradicação do trabalho escravo em análise

São Paulo - Os assuntos relacionados à reparação da escravidão e erradicação do trabalho escravo, tema do Evento Especial 12, entraram em debate durante a XXIII Conferência da OAB, na manhã de terça-feira (28), em São Paulo. Os conferencistas presentes falaram da pertinência e da atualidade do tema para enfrentar questões como o racismo e as políticas afirmativas no Brasil.

O evento teve como coordenador Humberto Adami, presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil (CVENB) da OAB, que abriu as discussões, falando da importância de resgatar e corrigir a memória da escravidão e da população negra no Brasil. Ele foi acompanhado na tarefa por Daniel Dias de Moura, presidente da CVENB da OAB-MG, que definiu o painel de discussões como um espaço de resistência da consciência de homens e mulheres negros.

Luís Cláudio da Silva Chaves, vice-presidente do Conselho Federal da OAB, também participou da solenidade de início, reforçando o papel da entidade nas discussões. “A Ordem dos Advogados do Brasil tem o dever constitucional de zelar pela dignidade humana e pelos Direitos Humanos”, disse.

Antes do início do evento, integrantes da mesa de honra também fizeram considerações. Adriana Coutinho, presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade da OAB, ressaltou a importância de trazer o assunto para discussão. Maria Sueli Rodrigues, presidente da CVENB-Piauí, trouxe detalhes sobre resgate da memória de importantes personagens negras na história. As duas dividiram a mesa com José Vicente, vice-presidente da Comissão Nacional e reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, e Eunice Prudente, integrante da CVENB-São Paulo.

Humberto Andami, então, iniciou, na qualidade de presidente, o primeiro painel de debates do Evento Especial, intitulado “Caminhos para a Efetividade da Reparação da Escravidão: Justiça, Igualdade, Memória e Indenizações.” O debate teve como relator Daniel Dias de Moura.

Edson Cardoso, professor doutor da USP, foi o primeiro a falar e lembrou que, em 2018, completam-se 130 anos da abolição da escravatura no Brasil. Citou, ainda, Nelson Mandela, segundo o qual o racismo estruturou, ao longo da história, as sociedades do século 20. “Ele dizia que o país que herdamos é essencialmente estruturado de forma a nos impedir uma nova sociedade, centrada no povo”, citou.

Silvana Cristina Oliveira Niemczewski, presidente da CVENB do Paraná, lembrou, ao falar após Cardoso, das dificuldades que pessoas negras enfrentam para chegar a certas profissões de prestígio na sociedade, como advogados e médicos. “Nós somos maioria na sociedade e não somos maioria nessas profissões. E isso não é um problema só dos negros, é um problema de toda a sociedade”, explicou.

Depois dela, Yedo Ferreira, 84, militante histórico do movimento negro, falou do atraso do Estado brasileiro nas políticas de investigação e reparação da escravidão e da memória da população negra. “A reparação vem sendo levantada fora do Brasil há muitos anos”, disse. Segundo o palestrante, a discussão da identidade da nação é importante para o combate ao racismo. “Se não discutirmos a questão nacional, não conseguiremos discutir a questão racial”, afirmou.

Os casos de violência contra a identidade cultural e religiosa de negros no país foram tema da palestra de Ivone Caetano, desembargadora e diretora de Igualdade Racial da OAB-RJ. “Não se mexe, não se toca, não se proíbe nenhuma outra veste, nenhum outro acessório, no Brasil, como se mexe, se toca e se proíbe as vestes da religiosidade negra”, comparou. Ela manifestou preocupação com os atos de intolerância contra as crenças de matriz africana.

O conselheiro federal da OAB Kleber Rênisson Nascimento foi o último a falar no primeiro painel. Ele afirmou que a participação dos negros na entidade, apesar de ainda baixa, está crescendo. O palestrante ainda fez um apelo para que mais mulheres, em especial mulheres negras, participem da OAB, onde vê a presença de mais negros em um futuro próximo.

Homenagens

Na sequência, teve início a segunda e última mesa do evento especial, sob o título “Encontro das Comissões Estaduais da Verdade da Escravidão Negra”. O presidente foi Luís Cláudio da Silva Chaves, vice-presidente do Conselho Federal da OAB. O juiz da Corte Interamericana de Direitos, Roberto Caldas, iniciou a discussão, referindo-se aos desafios para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil. 

Caldas também homenageou o Frei Henri Burindes Roziers, que faleceu no domingo, 26 de novembro, aos 87 anos, e em vida advogou em defesa dos trabalhadores rurais, muitos deles, escravizados. O palestrante ainda pediu um minuto silêncio em respeito a Frei Henri. “Que a vida dele sirva de exemplo a todos nós que lutamos pela democracia e contra a desigualdade social”, disse, acompanhado de aplausos.

O silêncio deu sequência a outra homenagem, dessa vez ao orador, escritor e jornalista Luiz Gama (1830-1882), que foi impedido de ser condecorado advogado porque era negro. O ator Deo Garcez interpretou trechos de “Luiz Gama - Uma Voz pela Liberdade”, com memórias e reflexões sobre a escravidão, o racismo e a situação de homens e mulheres negras no Brasil.

Depois, uma terceira homenagem encerrou o evento: Roberto Caldas recebeu da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da OAB o reconhecimento pelo trabalho no combate às formas contemporâneas de escravidão. 

Painel 19 – Especialistas debatem reforma e mudanças na lei tributária

São Paulo - As mudanças necessárias na Constituição, nos processos estatais e na cultura da sociedade para melhorar o sistema tributário brasileiro foram o tema do Painel 19 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que ocorre até quinta-feira (30) no Centro de Exposições do Anhembi, em São Paulo. Compuseram a mesa os professores Igor Mauler Santiago, Roque Carraza, Misabel Derzi, Humberto Ávila, Eduardo Maneira e Luiz Gustavo Bichara, sob a mediação dos conselheiros federais da OAB Breno Dias de Paula e Dalmo Jacob do Amaral Jr.

O advogado Humberto Ávila questionou a necessidade de se mudar o texto da Constituição, apesar de reconhecer a necessidade de mudar “radicalmente” o sistema tributário. “Por trás dessa ideia há a noção de que a mudança do texto acarreta na mudança da realidade, mas isso simplesmente não acontece. É claro que um bom texto constitucional é um bom ponto de partida, mas não é o ponto de chegada”, afirmou. Ele disse que, desde 1988, já houve quase 100 mudanças no texto constitucional e, boa parte delas, relativas aos processos tributários. Ele avaliou que essas mudanças tornaram o sistema mais complexo e injusto. “Os interesses dos entes da federação não se acomodam de forma a ser realizada uma grande reforma, e vão ocorrendo mudanças pontuais no sistema que são muito problemáticas.”

Eduardo Maneira, conselheiro federal e integrante da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB, afirmou que o modelo “torto” de República Federativa adotado pelo Brasil criou desvios que não podem ser corrigidos apenas com a mudança das regras tributárias. “O federalismo não é apenas uma forma de Estado, mas princípio de organização política. O que justifica o governo federal aos Estados é a solidariedade na busca por um ideal comum”.

Ele comparou o modelo brasileiro com o americano. “Nos Estados Unidos, temos o exemplo do federalismo clássico, que nasceu em um movimento orgânico dos Estados que o compõem. No Brasil, na proclamação da República, o governo impôs esse modelo, que concentra poder e renda na União, em desfavor dos Estados. Para complicar, os cinco mil municípios também são entes federais e podem criar tributos, uma especificidade do Brasil”, criticou. 

É essa particularidade, disse, que faz com que os impostos sobre consumo sejam até triplamente cumulativos e faz com que haja espaço para guerra fiscal por conta de mudanças arbitrárias na destinação da arrecadação dos impostos sobre serviços. “O principal a se levar em conta em uma proposta de reforma é que os entes precisam ter garantia de autossuficiência financeira, mas não necessariamente de plenos poderes tributários”, disse.

Pesos e medidas

Os conferencistas abordaram ainda práticas dos órgãos ligados à fiscalização, arrecadação e negociação de dívidas do Estado brasileiro que também dependem de melhorias que vão além da simples atualização da legislação.

“Certas novidades do Direito Penal têm contaminado gravemente o direito tributário”, alertou a professora Misabel Derzi. “O instituto da delação premiada, por exemplo. Não sou contra, mas os delatores se converteram, no Brasil, em testemunhas sem necessidade de provas. Vêm as condenações e não há mais provas. As prisões antecipadas, sem julgado, contra o artigo 5º da Constituição. O Ministério Público aplicando o Direito Penal. Sempre foi o juiz, mas agora é o promotor. Até sugere a pena e anistia ou não! Isso tem repercutido no direito tributário. Os senhores vão perguntar como, mas é impressionante. O direito penal tem sido convertido em um ramo do direito que está funcionando como técnica de constrangimento do contribuinte para forçar a arrecadação. É um instrumento do fisco”, lamentou.

Além das delações, a professora criticou também a transposição para o Direito Tributário da teoria do domínio do fato, inaugurada no julgamento do mensalão, em 2012. “Aquela súmula vinculante que o Supremo fez no sentido de que enquanto o caso de uma empresa estiver em um tribunal administrativo não pode haver denúncia penal não é suficiente. Porque o que acontece? O Ministério Público aciona todos os diretores da empresa sob o argumento do domínio do fato”, concluiu.

Roque Carraza, professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, concordou. “É hora de dar um basta nas ações arbitrárias judiciais e policiais em nome da arrecadação. Penso seriamente que o instituto da delação premiada deve ser revisto, em especial nas generosas recompensas oferecidas às delações, sem falar nas prisões antecipadas”, afirmou Carraza. “E há de encerrar a prática da condução coercitiva, a não ser que o indiciado tenha se recusado a comparecer voluntariamente para prestar testemunho. É chegada a hora de encerrar também a prática de invadir escritórios de advogados à cata de documentos”, disse o professor.

Por outro lado, apesar das medidas radicais que tem à disposição, o governo central brasileiro é extremamente seletivo na forma como realiza essas cobranças, ao ponto da omissão, segundo números apresentados por Luiz Gustavo Bichara, conselheiro federal e procurador tributário do Conselho Federal da OAB. Ele mostrou que, em 2016, a União executou menos de 1% de sua dívida ativa, estimada em R$ 1,4 tri -- entre as executadas, 97% foram relativas a dívidas menores que R$ 1 milhão, e apenas 2,5% relativas a dívidas acima de R$ 1 milhão. Menos de 6% das dívidas foram negociadas para parcelamento. E mais de R$ 630 milhões não têm sequer uma avaliação de perspectiva de pagamento.

“O que se vê é completa omissão. Grandes devedores, no Brasil, pagam se quiserem. Se não quiserem, podem ficar tranquilos”, ponderou. Na opinião de Bichara, é necessário criar mecanismos para acelerar as cobranças de dívidas com o fisco e garantir financiamento ao governo, mesmo que por meio de concessão da cobrança dessas dívidas a empresas privadas. “Se deixarmos na mão da União, ela não tem interesse em mudar o sistema, porque pode acumular os depósitos judiciais indefinidamente em suas contas. Se perde o caso, devolve o dinheiro, mas se ganha, já estava lá desde o começo. Mas o sistema não tem celeridade”, pontuou.

Painel 18 – Especialistas debatem segurança da Informação e crimes Informáticos

São Paulo - A “Segurança da Informação e Crimes Informáticos” foi tema do Painel 18 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira na tarde desta terça-feira (28). A mesa foi cirigida por Frederico Preuss Duarte, presidente da Comissão Especial de Direito da Tecnologia e Informação da OAB Nacional. O relator foi o advogado Eduardo Faustino Lima Sá. O secretário foi Duilio Piato Junior, conselheiro federal pelo Mato Grosso.

O primeiro expositor foi o conselheiro federal pelo Rio de Janeiro Carlos Roberto de Siqueira Castro. Ele abordou os direitos fundamentais na era da Internet, destacando a relevância do Marco Civil da Internet, da questão sobre intimidade e privacidade versus liberdade de imprensa, ‘fake news’, censura e outros temas.

“Todo mundo está de olho em você. Os consumidores se tornam cada vez mais reféns da era digital. Algoritmos são usados para descobrir o que as pessoas querem comprar. No futuro próximo, a linha divisória entre a vida física e a digital se fundirá. Sairemos do parcialmente analógico para o completamente digital”, afirmou Siqueira Castro.

A advogado Leonardo Sica, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, explicou o funcionamento do Big Data e a utilização de dados pessoais. Disse que, conceitualmente, Big Data “é o que as empresas e o governo fazem com nossos dados”. Ele alertou, porém, que dado pessoal é aquilo identifica cada pessoa, o que hoje envolve perfil e dados de navegação, registros de compras, geolocalização, indo além de RG, CPF e endereço.

“O Direito deve cuidar da proteção e tratamento desses dados e esta é uma regulação que está pendente. A privacidade é definida pelo que nós fazemos”, declarou Sica.

Elias Mattar Assad, presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim), tratou da responsabilidade da imprensa pela divulgação de informações confidenciais, declarando que os juízes brasileiros não deveriam se deixar influenciar pelos meios de comunicação ou opinião pública. “Essa não pode ser uma fonte interferente do trabalho judicial”. A fala foi aplaudida pelos espectadores. Além disso, Assad abordou principalmente a falta de penalização para quem viola normas processuais, o vazamento de informações sigilosas para a mídia e compartilhou também casos em que a imprensa influenciou a opinião pública sobre os réus.

O próximo tema abordado foi o enfrentamento jurídico dos incidentes de Segurança de Informação em favor dos advogados. O expositor foi o advogado Alexandre Atheniense, integrante da Comissão Especial de Direito da Tecnologia e Informação da OAB Nacional. Ele questionou os participantes sobre se achavam possível serem alvo de ataques hackers. Ele seguiu indicando formas de reagir a esse tipo de incidente e quais medidas devem ser tomadas.

“Esses incidentes podem ser desastrosos para os advogados porque causam danos à reputação, medidas judiciais, publicidade negativa, multas regulatórias e contratuais, clientes descontentes, problemas éticos disciplinares, violação de confidencialidade e custos de investigação forense”, acrescentou Atheniense. Ele ainda reforçou a importância da discussão desse tema, algo inédito nas conferências da OAB.

O sigilo das comunicações e os crimes informáticos foi o assunto tratado pelo advogado Spencer Toth Sydow que teve uma abordagem criativa ao falar sobre o sigilo das informações, com uma comparação ao atual envio de ‘nudes’. “Se você mandar uma foto de intimidade, vai querer manter entre duas pessoas o acesso àquela informação. Porém, na informática, isso não é verdade”. Afirmou, ainda, que acreditamos que os crimes informáticos não são problema no Brasil e que as pessoas só se interessam por esse tipo de assunto porque não sabem nada a respeito, além de termos poucas obras publicadas a respeito.

A apresentação final foi realizada pelo Conselheiro Federal da OAB, Ricardo Bacelar Paiva. Ao tratar sobre temas de propriedade intelectual na Internet, pontuou a gravidade do plágio, que aumentou com a facilidade de acesso da rede, colocando em xeque atualmente cerca de 30% do que se produz em ciência. Tratou também a pirataria virtual, por meio dos downloads ilegais, realizados em grande quantidade em meados dos anos 2000: o risco para a cópia de marcas, patentes e modelos de utilidade; o fenômeno da desmaterialização dos suportes; novas formas de transmissão e distribuição de conteúdo pelos sites e aplicativos, além do uso do streaming para filmes e músicas. “A indústria cobra um preço absurdo para aplicar a tecnologia em filmes e músicas. Com isso, nós pagamos pouco e os autores não ganham quase nada com direitos autorais. A flexibilização é um caminho sem volta”, concluiu Bacelar.

Painel 14 – A construção de uma sociedade mais justa e solidária em painel sobre inclusão

São Paulo - Um apelo ao respeito à diversidade de forma ampla, com vistas à construção de uma sociedade mais justa e solidária, marcou as discussões do Painel 14 – Inclusão Social: Exigência Constitucional --, realizado na manhã de terça-feira (28) como parte da programação da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, em São Paulo. O painel foi presidido por Josemar Carmerino dos Santos. A relatoria ficou a cargo de João Paulo Setti Aguiar e Henrique da Cunha Tavares exerceu a fumção de secretário.

O presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto de Figueiredo Caldas, condenou fortemente o crescimento da pobreza e da desigualdade nos últimos anos. “A Convenção Interamericana de Direitos Humanos exige a inclusão social em suas diversas facetas econômicas, culturais e sociais”, afirmou. Citando cifras das Nações Unidas, do Banco Mundial e da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), Figueiredo Caldas pontuou que a desigualdade é uma herança colonial, que continua vigente – sobretudo no Brasil, campeão de desigualdade na região. “É fundamental visibilizar essa desigualdade, que não aparecem nos grandes eventos”, alertou.

Ao comentar o caso brasileiro, o magistrado da Corte Interamericana fez uma dura crítica às reformas empreendidas pelo governo do presidente Michel Temer. “As recentes alterações constituicionais representam um claro retrocesso naquilo que não pode retroceder de maneira nenhuma: os direitos sociais”, sublinhou. “A Constituição Federal de 1988 e o Pacto de San José determinam que os direitos sociais devem ser sempre progressivos, nunca regressivos. Não podemos mais suportar determinadas reformas legislativas que prejudicam aqueles que já têm menos.”

Figueiredo Caldas mencionou especificamente a reforma trabalhista. “É uma contrarreforma, pois gera uma carga ainda maior sobre aqueles que deveriam ser protegidos.” Além disso, continuou, a medida vai na contramão da Agenda 2030 das Nações Unidas para o combate à pobreza, que pretende eliminar a miséria em todo o mundo dentro dos próximos 12 anos. Com essas reformas, afirma o magistrado da Corte Interamericana, o Brasil está caminhando na contramão do pacto global. “Chegaremos assim a um subdesenvolvimento insustentável”, lamentou.

Inclusão

O tema da empregabilidade das pessoas com deficiência foi tratado pelo presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB São Paulo, Mizael Conrado, que fez uma retrospectiva de como as sociedades têm tratado os portadores de necessidades especiais ao longo da história. “Até 1930, fomos marcados pela segregação. As medidas de inclusão tiveram início a partir de 1940. A época a que chamamos ‘período da inclusão’ começa efetivamente nos anos 1990, e é o período mais frutífero que vivemos até agora, quando as pessoas começam a compreender o que é a deficiência”, detalhou.

Mizael Conrado afirma que a Constiuição Federal de 1988 possibilitou uma série de avanços para os portadores de necessidades especiais. “Os dispositivos constitucionais abriram caminho para outros dispositivos que foram essenciais para a inclusão, como a Lei Federal 8.213, de 1991, que estabelece uma reserva de mercado para pessoas com deficiência em empresas com mais de cem funcionários”, enumera. 

“Em 1999, o Decreto 679 obrigou as universidades a criarem condições para atender pessoas com deficiência.” Graças a esses avanços, o presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB São Paulo afirma que a década de 2000 está sendo o “grande momento” para a inclusão no Brasil e no mundo.

“Em 2006, aprovou-se a Convenção Internacional da ONU sobre Pessoas com Deficiência, que foi ratificada pelo Brasil. Essa convenção altera vários paradigmas. Com ela, por exemplo, a deficiência deixa de estar na pessoa e passa a estar no meio. Ou seja, havendo condições, a pessoa com deficiência tem capacidade como qualquer outro indivíduo. A deficiência sai do foco da doença e passa à funcionalidade”, afirma Mizael Conrado. “Depois disso, em 2015, aprovamos a Lei Brasileira de Inclusão.” Ainda assim, pondera, é preciso avançar mais. “Temos 403 mil pessoas com deficiência empregadas no país, sendo que com a lei deveria haver mais de 800 mil vagas”, exemplificou.

A Convenção da ONU e a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência foi tema da intervenção de Joelson Dias, vice-presidente da Comissão Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB, que insistiu na necessidade de mudanças para além das leis. “Sem uma mudança cultural, de hábitos, de atitude, essa verdadeira revolução em cada indivíduo, não tem Convenção da ONU, tratado, Lei Brasileira de Inclusão, instrumento ou instituição que dará conta da efetivação desses direitos”, exortou. “Teremos sempre uma distância muito grande entre o papel e a atuação das nossas instiuições e o que está nos corações e mentes de todos nós.”

De acordo com Joelson Dias, “de nada adianta definir as mudanças trazidas pela Convenção da ONU para as pessoas com deficiência enquanto não normalizarmos essa mudança: ver o outro, assumir a perspectiva da alteridade.” Enquanto essa “revolução” não acontece, o advogado recorda que a Convenção da ONU reforça direitos que já haviam sido trazidos pela Constituição Federal de 1988. “Além disso, oferece garantias internacionais para que o Brasil cumpra os deveres com as pessoas com deficiência. Caso não aconteça, podemos levar o país a cortes internacionais”, avisou.

Questão racial

A questão racial foi abordada pela presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB São Paulo, Carmen Dora de Freitas Ferreira, que lembrou do racismo que ainda vigora no país. “A Lei Áurea não se preocupou em reparar e inserir as pessoas negras que colocou em ‘liberdade’. Elas ficaram atiradas à própria sorte, sem direito a qualquer indenização, sem moradia, sem casa, e essa exclusão vem se perpetuando no tempo”, disse. “Ao contrário do que foi garantido aos imigrantes que vieram da Europa e foram agraciados com terra, estudo e possibilidade de emprego, aos negros nada foi assegurado. Até os dias atuais não se conseguiu uma igualdade real, apenas formal: na escrita, tudo está certo, mas, na prática, persiste uma grande exclusão”, expôs.

Carmen Dora insistiu no caráter “lúdico” do racismo à brasileira, em que manifestações claramente discriminatórias são tratadas como “brincadeira” – inclusive pelo Judiciário. “Quando interpelamos manifestações racistas, seja no âmbito privado, seja no âmbito público, somos geralmente acusados de radicais ou, pior ainda, de estarmos praticando racismo às avessas”, afirmou. “Temos que erradicar essa perversidade. Precisamos provocar o Judiciário para que forme jurisprudência sobre essas questões, que devem ser tratadas como relevantes, e não relegadas a segundo plano.”

Para a presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB São Paulo, o racismo é uma característica cultural, que começa desde a infância, e que custa muito esforço – e tempo – para ser modificada. Além disso, provoca impactos diretos no bem-estar físico e psíquico das vítimas. “O racismo provoca injustiças, e faz com que a pessoa adoeça, podendo até mesmo cometer suicídio”, pontua, ressaltando a violência de Estado de que os negros são vítimas no país. “Quando um jovem negro diz à sua mãe que vai a uma festa, essa mãe reza para que ele não seja abordado pela polícia. Porque, se for abordado, sabe-se lá o que vai acontecer. Os casos de violência policial são inúmeros.”

Mobilidade urbana

O secretário de Transportes da cidade de São Paulo, Sérgio Avelleda, proferiu a palestra “Mobilidade Urbana: uma questão de Direito”, em que desfilou uma série de argumentos favoráveis à diversificação da estrutura urbana – hoje em dia excessivamente concentrada nos automóveis – e à sua adaptação ao desenvolvimento de outros meios de transporte alternativos ao carro. “A mobilidade urbana não é uma luta de classes: é uma racionalização e harmonização do espaço das cidades. Não é que sejamos contra o automóvel, mas é que ele recebeu no século 20 uma atenção para além do que pode atender em termos de mobilidade”, ressaltou.

Sérgio Avelleda argumenta que as cidades brasileiras se urbanizaram tradiamente, a partir dos anos 1950, porém, de maneira muito rápida. Além disso, foram urbanizadas para atender às necessidades do carro. “O século XX foi o século do automóvel.” No entanto, lembra, apesar de toda a política pública centrada no automóvel, em São Paulo, por exemplo, o automóvel é responsável por apenas 31% das viagens diárias: a maioria das viagens ocorre a pé: 45%. “O automóvel transporta menos de um terço das pessoas. A experiência histórica mostra que as cidades que mais infraestrutura construíram para os automóveis são as mais engarrafadas. Los Angeles é o grande exemplo”, exemplificou.

O secretário municipal de Transportes de São Paulo também lamentou a quantidade de mortes ocorridas diariamente no trânsito brasileiro. “Todos os dias morrem 128 pessoas no Brasil vítimas de acidentes de trânsito. Isso sem contar os feridos”, afirmou. “Cerca de 90% desses eventos trágicos são evitáveis.” Avelleda usou as cifras de mortes no trânsito para pontuar um aspecto da desigualdade global: “As mortes se concentram nos países mais pobres, onde há menos carros. As nações desenvolvidas têm 52% da frota mundial e apenas dez por cento das mortes.”

O painel Inclusão Social: Exigência Constitucional aprovou uma moção de apoio ao Plano de Valorização do Advogado com Deficiência, além de aprovar as seguintes proposições: incluir no projeto “OAB vai à escola” e no Exame de Ordem informações sobre a questão racial do Brasil; fomentar o ensino pela inclusão nas escolas; integrar as comissões de monitoramento de seleção sob a égide da Lei de Cotas; promover campanha publicitárias inclusivas; implementar as deliberações do VI Congresso dos Advogados Afrobrasileiros; celebrar um termo de cooperação internacional entre OAB e Organização dos Estados Americanos (OEA); enviar representantes da OAB para reuniões de acompanhamento da Convenção da ONU; realizar, no âmbito da Escola Nacional de Advocacia, cursos sobre a proteção de pessoas com deficiência; e tomar medidas concernentes à aposentadoria do servidor com deficiência.

Painel 13 – Ética, ensino jurídico e Exame de Ordem como pilares da sociedade

São Paulo - A qualidade do ensino jurídico, propostas curriculares e metodológicas, a ética e o exame da Ordem foram temas discutidos no Painel 13 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, realizado na manhã desta terça-feira (28) em São Paulo. Com o tema “Ensino Jurídico, Ética e Exame de Ordem: Defesa da Sociedade”, o painel foi presidido por Marisvaldo Cortez Amado - acompanhado pelo relator Sérgio Leal Martinez e pela secretário Nelson Ribeiro de Magalhães e Souza – e contou com a presença de especialistas que colaboraram com visões e experiências sobre o exercício profissional da classe. 

As atividades foram iniciadas com a palestra “Em Defesa do Exame de Ordem”, proferida por Rogério Magnus Varela Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Exame de Ordem, que afiançou que um tema indissociável ao exame é a qualidade do ensino jurídico. “O Exame de Ordem, nos dias atuais, se mostra cada vez mais importante e necessário porque estamos com mais de 1.500 cursos de Direito no Brasil. Em um universo como esse, temos excelentes cursos de Direito - uma minoria, infelizmente – e uma esmagadora maioria que não se preocupa com o aluno, mas com números e finanças. É esse contexto que fortalece o Exame da Ordem: evitar que pessoas pouco preparadas entrem no mercado de trabalho e causem prejuízos para a sociedade”, explicou.

Nos últimos dois anos, aponta Gonçalves, uma liminar judicial estabeleceu que universitários dos últimos períodos possam realizar o Exame de Ordem. “É importante que se diga que não é desejo da OAB que pessoas ainda no banco universitário façam o Exame porque, depois, desinteressam-se e desconectam-se do ensino jurídico”, explicou. Segundo ele, no atual contexto do país, surgem “vozes” que objetivam acabar com o Exame de Ordem. 

“O Exame da Ordem desperta paixões e ódios, sobretudo para aqueles que ainda não passaram. Porém, sempre recomendamos para os examinadores e elaboradores o seguinte: não desejamos fazer uma prova de excelência, onde passam poucos, mas de suficiência. Busca-se averiguar se a pessoa está suficientemente apta a entrar no mercado de trabalho, é uma certificação de qualidade técnica mínima. O objetivo do exame, portanto, é proteger a sociedade e também o jovem que se forma”, frisou. Ao final, Varela propôs que o exame se mantenha na forma que hoje é aplicada, a qual foi votada e aprovada. 

Ética na advocacia

O advogado Paulo Roberto de Gouvêa Medina, detentor da Medalha Rui Barbosa, abordou os pilares do Novo Código de Ética, afirmando que o Código estabelece regras e princípios de conduta que conferem aos advogados o status que possui. “É de uma classe que se atribui o exercício de uma profissão liberal relevante, uma classe unida por determinados princípios que a distinguem”. O Novo Código de Ética da Advocacia e da OAB entrou em vigor em setembro de 2016.

Segundo Medina, era necessário esse Novo Código, pois a advocacia sofreu modificações nesse período, crescendo de forma significativa e perdendo o “caráter artesanal” que caracterizava o  xército até então. “O Código classifica os deveres do advogado, do ponto de vista didático, em quatro categorias: deveres pessoais, deveres profissionais, deveres corporativos e deveres políticos e sociais. E também traz uma inovação: um capítulo dedicado a postura do advogado perante à Ordem”, listou.

Medina também reforçou que um Código de Ética adequado não deve conter somente caráter punitivo. “Deve conter normas jurídicas, sim, mas também normas de caráter pedagógico, que visam a formar a consciência social do advogado. O código inovou ao trazer isso. Há um dispositivo relevante no código, que o advogado deve ter a consciência de que a lei é instrumento para garantir a igualdade de todos e que sua profissão serve para mitigar as desigualdades sociais, além de abordar a atividade pro bono”, afirmou.

Na palestra “Ensino Jurídico e Educação Continuada”, o professor e advogado Jorge Amaury Maia Nunes apontou que o ensino jurídico sofreu profunda transformação. “O Brasil hoje concentra 53% das faculdades de Direito do mundo. Esse crescimento gracioso de faculdades tem custo: não tínhamos professores preparados para mais de mil faculdades. Os cursos de direito nasciam sob a égide da mediocridade. Tinha só uma missão: adestrar para Exame da Ordem e para concursos públicos”, disse ele. 

 “Não há experiência nem possibilidade profissional. Começam a vender sonhos para outros num deserto de possibilidades de ganhar dinheiro. Começam a tentar criar mercados de advocacias, fazem vendas de produtos jurídicos. A classe começa, então, a se empulhar. Por isso, para os que virão no futuro, precisamos do sistema de educação continuada. É a educação que a gente oferece a qualquer cidadão, independentemente da idade e nível de instrução, para que continue a estudar”, disse Nunes.

O advogado também afirmou que, com a educação continuada, novos saberes serão concebidos. “Não temos que explorar o que passou e foi deteriorado pelo ensino, mas aquilo que está por vir. Nesse mundo digital e de relações interpessoais, aparecerão muitas possibilidades para as relações jurídicas e grande possibilidade da advocacia preventiva para impedir que os conflitos aconteçam”, exemplificou.

Em seguida, a advogada Gisela Gondin Ramos abordou as prerrogativas e a defesa da sociedade, e destacou que a advocacia é uma atividade essencial à Justiça, não devendo ser realizada sem participação do advogado ou de maneira meramente protocolar.  “O advogado, embora exerça um interesse privado, o faz perante à Justiça, que é um interesse público. Isso é importante para entender as reais prerrogativas do advogado no Estado Democrático de Direito, que é um equilíbrio entre o poder do Estado e os direitos do cidadão”. 

Segundo Ramos, as prerrogativas não são somente direitos, porque não são dos advogados, mas são do cidadão brasileiro. “Não cabe ao advogado decidir se vai usar ou não as prerrogativas para exercer a defesa dos interesses confiados - é necessário fazer isso para o advogado cumprir sua missão. São garantias de efetividade dos direitos fundamentais dos cidadãos e, assim, mais um instrumento pelo qual a advocacia brasileira sai em defesa da sociedade. Prerrogativa são instrumentos práticos colocados à disposição do advogado para lhe assegurar perfeitas condições para a o exercício de sua função”, disse.

O advogado e professor Adilson Gurgel de Castro palestrou sobre ensino jurídico e apresentou algumas sugestões para inovações curriculares e metodológicas para ajudar a formar melhor os bacharéis. “Os Diretos Humanos devem ser disciplina obrigatória nos cursos de Direito. Além disso, é muito importante fomentar o interesse pela literatura, pelo cinema e pelo teatro em nossos alunos”, afirmou.

Castro também lembrou que os professores devem evitar as “mesmices” como, por exemplo, sempre os mesmos modelos de aula, provas currículos, o que chamou de “mcdonaldização dos cursos”. “Devemos trabalhar a interdisciplinaridade. O Direito não é fenômeno isolado. Devemos integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber.  A interdisciplinaridade está presente em todo o marco regulatório. Além disso, o aluno deve ser o protagonista do seu aprendizado e o educador deve saber quem é seu aluno, qual a importância da sua disciplina, quais as competências e habilidades a desenvolver, como vincular a disciplina àquelas já estudadas”, sugeriu.

Propostas

Após sua palestra, foram votadas algumas proposições: Direitos Humanos como matriz obrigatória no curso de Direito, utilização de novas técnicas na aprendizagem, incentivo do uso pedagógico por meio de vídeos e conferências, melhor utilização do júri simulado em todas as disciplinas e criação da cadeira de Direito Tributário 2. 

Na palestra “Processo Ético-Disciplinar”, o conselheiro federal da OAB Delosmar Domingos de Mendonça Junior analisou que muitos dos processos contra advogados se dão por vaidade. “Tantos males éticos vêm da vaidade e temos que, através da reflexão constante, construir nossa ética. O processo ético-disciplinar deve ser feito, primeiramente, de acordo com a Constituição, pelos valores e normas fundamentais presentes na Constituição”, sugeriu. 

Mendonça Junior também questionou sobre a importância pública de divulgar os processos contra advogados. “Precisa de uma reflexão sobre a norma motivacional e da publicidade. Nós temos o processo sigiloso e a sociedade cobra muito da OAB esse ponto. Será que podemos manter ainda esse processo sigiloso? Há um momento contemporâneo de transparência, nossa atividade é privada, mas tem um compromisso com a sociedade. Será que o jurisdicionado, o cidadão, não tem direito de saber se o profissional está respondendo a um processo ético-disciplinar?”, questionou. 

Por fim, encerrando as atividades, foi realizada a palestra “Falando o Jovem Advogado” pelo advogado José Edísio Simões Souto, que reforçou o compromisso social da profissão. “Temos que discutir exclusivamente o direito com coragem, não a coragem da peixeira da minha terra paraibana, mas a coragem de defender quem precisa do nosso trabalho. Temos que levantar a voz quando ela se faz necessária. Temos um Estado policialesco que quer tirar as garantias das pessoas. Por exemplo, há juízes, inclusive em Curitiba, que negam os direitos aos advogado e negam as prerrogativas e o direito à cidadania”, asseverou. 

Souto também lembrou casos de personalidades brasileiras que tinham como compromisso o direto à ampla defesa. “Temos várias garantias constitucionais, mas, nós, advogados, temos que ter um compromisso maior com uma delas: o direito à ampla defesa. Um exemplo é Sobral Pinto, anticomunista ferrenho, mas defensor de presos políticos, como Carlos Prestes. Ele disse, quando a Justiça negava os direitos de seu cliente: se não podem julgar Luis Carlos Prestes pela lei dos homens, julguem pelas leis dos animais. Outro exemplo foi Dom Helder Câmara que, na companhia de algumas freiras, foi abordado por uma mulher que disse precisar de dinheiro para o enterro da mãe. As freiras o advertiram que a mulher mentia. Ele respondeu: essa mulher é tão excluída que só lhe resta mentir”, relembrou.

Painel 15 – Os desafios da integração em debate sobre presente e futuro do direito internacional

São Paulo - Como fazer valer direitos universais quando o mundo é fragmentado em jurisdições com conceitos distintos, por vezes até antagônicos, de Justiça e processo jurídico? O Painel 15 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, “Presente e Futuro do Direito Internacional”, reuniu especialistas brasileiros e de outros países para discutir as características do mosaico legal contido pelas fronteiras nacionais e como melhorar a sinergia entre esses sistemas. O encontro foi na manhã desta terça-feira (28).

Compuseram a mesa Carlos Ayala Corao, professor da Universidade Central de Venezuela; Francisco Rezek, ministro aposentado do STF e ex-ministro das Relações Exteriores; Lorenzo Bujosa Vadell, da Universidade de Salamanca; Belisário dos Santos Jr., ex-secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo; Beinusz Smukler, da Associação Interamericana de Juristas; Horácio Bernardes Neto, vice-presidente da International Bar Association; Maristela Basso, professora da USP; Paulo Lins e Silva, advogado.

Paulo Marcondes Brincas, presidente da OAB de Santa Catarina, dirigiu os trabalhos com relatoria de Marcelo Lovacat Galvão e a secretaria de Erik Limongi Sial. Os conferencistas expuseram concepções distintas sobre soberania e para os eixos centrais da ação do direito internacional. O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, compareceu ao evento para saudar a qualidade dos congressistas, responsáveis por tornar a XXIII Conferência Nacional da Advocacia no maior evento jurídico do mundo.

O professor Beniusz Smukler iniciou sua fala com uma homenagem pela entrega da medalha Rui Barbosa à advogada gaúcha Cléa Carpi, primeira mulher a receber o prêmio. Em sua participação, Smukler destacou dados sobre a atual situação socioeconômica do mundo e pontuou que as consequências de situações de profunda desigualdade são o desafio de maior escala para o direito internacional no século 21. Para ele, o problema é o desrespeito à soberania dos povos por parte das corporações, cujos interesses se sobrepõem aos direitos sociais. 

“Atualmente, oito homens detêm a mesma riqueza que as 3,5 bilhões de pessoas mais pobres da humanidade. Mais de 21 milhões de pessoas são vítimas de trabalhos forçados; 758 milhões de adultos são analfabetos. Mais de 800 milhões de pessoas sofrem de fome crônica e 2 bilhões de pessoas estão subalimentadas. Mais de 650 milhões de pessoas seguirão passando fome em 2030, e, no ritmo atual de distribuição de renda, não resolveremos a situação sequer até 2050. A crise dos refugiados torna ainda mais graves todas essas situações, sobretudo quando há leis que impedem o livre trânsito de imigrantes”, resumiu.

Já a professora Maristela Basso, da Universidade de São Paulo, considerou que o eixo central para a práxis do Direito internacional no século 21 não está necessariamente na garantia de direitos sociais, mas na contenção dos crimes contra a humanidade. Para ela, se no século passado essa área se pautava por arbitrar situações de guerra entre países, hoje a violência contra o ser humano em escala massiva tem origem nos conflitos internos aos países, entre tribos e facções. 

“Na Primeira Guerra Mundial, 5% das fatalidades foram de civis. Na Segunda Guerra Mundial, 66% das fatalidades foram de civis. Nos conflitos pelo mundo hoje, 90% das vítimas são civis”, afirmou. Por isso, segundo a professora, é necessário superar a noção de que a soberania dos governos locais está acima dos direitos humanos considerados universais. “Crimes como o assassinato e a desumanização não são ‘problema do outro’, e precisam ser encarados pela família humana como crimes contra todos nós”, explicou.

Maristela defendeu medidas como intervenções militares externas --para os quais, segundo ela, o Exército brasileiro é um dos mais bem preparados do mundo-- e a criação de um tribunal penal internacional capaz de efetivamente julgar crimes contra a humanidade.

Direitos humanos no âmbito internacional

Belisário dos Santos Jr., ex-secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo e integrante da Comissão Internacional de Juristas, reforçou a importância de auxiliar pessoas desamparadas pelos sistemas jurídicos de seus países por meio do relato de sua experiência nos tribunais de reparação de El Salvador, após mais de uma década de guerra civil no país (1980-1992). 

“Os tribunais que criamos não têm jurisdição, e, portanto, não garantem indenização financeira. Porém, apenas por haver um espaço de arbitragem em que os agentes são realmente imparciais já atende a uma primeira demanda da vítima da violência, que é ser ouvida. O trabalho desses tribunais certamente inspirará tribunais formais quando a situação social permitir que eles se reformem”, afirmou. “Nosso Código de Ética diz que somos os defensores do Estado Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública e da paz social. Portanto, quando defendemos um cliente, por tabela, defendemos a justiça e a democracia.”

O ministro aposentado do STF Francisco Rezek, ministro das Relações Exteriores no governo Fernando Collor (1990-1992), refletiu sobre os critérios subjetivos que envolvem a definição do que são direitos humanos. “Todo direito é humano. Não existe direito vegetal ou mineral”, disse. “Algumas semanas atrás, deu-se uma decisão judicial determinando que o Ministério da Educação tirasse dos examinadores do Enem a prerrogativa de zerar a prova do aluno que desrespeitar os direitos humanos na sua redação. Mas há aí um conflito: e o direito essencialmente humano daquele candidato de dizer o que pensa? Se disser asneiras, terá uma nota baixa. Mas não podemos dar a todos os examinadores no fundão do Brasil esse poder draconiano”, ponderou.

Rezek utilizou como exemplo o direito ao foro privilegiado de parlamentares, ministros e chefes de Executivo. “Acredito que 99% dos brasileiros seja contra esse direito --que é, essencialmente, um dos direitos ‘humanos’. Então, se um candidato escrever uma redação com críticas a esse mecanismo, será desclassificado? Podemos imaginar um examinador do Enem dizendo ‘aí, não!’, mas esse é o problema. Direito não é busca frenética do politicamente correto, não é realismo fantástico. É ciência. A incompreensão disso é um problema seríssimo que divide sociedades e a própria sociedade brasileira, gera essa situação de direitos humanos ‘do meu lado’ contra os direitos humanos ‘do lado de lá’”, disse.

Para o jurista, essa questão deve ser debatida antes ainda de assumir como verdade absoluta que os valores e critérios do direito estão ou serão universalizado: “Temos hoje 193 soberanias a serem respeitadas no planeta, contando a Palestina, sobretudo em seu direito de insubmissão. Vivemos e seguiremos vivendo por um bom tempo ainda em um mundo descentralizado”, disse.

Direito internacional

O aspecto mercadológico do direito internacional também foi debatido. Horácio Bernardes Neto, vice-presidente da IBA (International Bar Association), ressaltou como há, entre os países, diferenças inclusive no que diz respeito a quais são as funções do advogado e quem pode exercê-las. 

“O Brasil é vanguarda mundial por ter uma entidade independente do governo, do Poder Executivo, para a admissão e disciplina de advogados”, afirmou, ressaltando que apenas 26% das nações do mundo têm uma entidade independente, como a OAB, para representar os operadores da lei. Há ainda países como a Colômbia, onde o bacharel pode advogar sem licença especial, ou como a Suécia, onde não há exigência de formação na advocacia --ou seja, cidadãos de qualquer formação podem ser nomeados advogados em um processo.

Em um cenário em que as corporações, maiores clientes transnacionais da advocacia, buscam soluções globalizadas e integradas para seus problemas, é necessário debater esses critérios para o exercício da profissão e composição dos escritórios. “Nos Estados Unidos, as grandes consultorias, as chamadas big four (Ernst&Young, KPMG, Deloitte e PwC), já oferecem serviço de consultoria jurídica em pacotes de assessoramento integrado. Temos o Legal Zoom, que inclusive já está no Brasil, que oferece assessoramento por inteligência artificial para seus clientes. Para esse serviço, simplesmente não há regulamentação nenhuma”, refletiu. Outras novidades que surgem na onda pela abertura do mercado jurídico são os escritórios que não apenas não têm advogados como sócios, mas têm capital aberto.

Os consórcios de Estados nacionais, como a União Europeia, já buscam sincronizar seus regulamentos e processos para absorver essa nova realidade. O professor Lorenzo Bujosa Vadell, da Universidade de Salamanca, relatou como a União Europeia tem tentado integrar seus sistemas de proteção ao direito do consumidor de forma a acompanhar a integração econômica no continente. 

“Na Europa temos problemas com uma parte do Direito na qual o Brasil está na vanguarda mundial, que são os processos coletivos. Na Europa, temos tentado uma maior aplicação de processos coletivos, mas sem muito sucesso. Nessa vertente, a União Europeia só tem chegado a uma recomendação: tem sido muito discutido como fazer, concretizar o litígio coletivo, mas as negociações só conquistaram, até agora, uma resolução indicando critérios para esses processos. A situação é muito frustrante para quem acredita que os processos coletivos podem ser uma solução em tempos de massificação de produtos e problemas. Devemos olhar mais a experiência brasileira de tutela coletiva para avançarmos nesse tipo de processo”, disse.

Painel 16 – Temas atuais e pulsantes do direito civil são debatidos em profundidade

São Paulo - O Painel 16 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, denominado “Temas Atuais do Direito Civil”, foi realizado na manhã desta terça-feira (28) e discutiu assuntos novos à sociedade e à Justiça brasileira no âmbito civil. O evento foi presidido por Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, além de contar com o secretário Luiz Saraiva Correia e o relator Luiz Henrique Cabanellos Schuh. 

Na palestra "Desconsideração da Personalidade Jurídica”, Luiz Carlos Levenzon (vice-presidente da Comissão Especial de Análise da Regulamentação do Novo Código de Processo Civil) apresentou uma ideia que revisita a função social da propriedade. Levenzon defendeu que o incidente de personalidade jurídica se aplica a todas as situações previstas legalmente e não apenas a casos específicos

"Acredito que a desconsideração se aplique a todas as situações em que há descumprimentos de normas legais para prevalecer o princípio do contraditório e que isso pode levar a quebra de desigualdades sociais por meio da reestruturação de capitais violadas, essencialmente por fraude ou abuso de direito. Dessa forma, esses bens acabam adquirindo teor de interesse social para os sócios que não efetuaram crimes e eles podem seguir suas vidas e negócios”, afirmou.

O doutor em direito Álvaro Villaça Azevedo falou na palestra "Casamento: Evolução e Atualidade" sobre as transformações da família e do casamento nos últimos anos. Para ele, o Estado deve respeitar que o que une as pessoas é a convivência. "As leis não podem revogar fatos que dão direitos às pessoas. O casamento civil, religioso ou por convivência deve ser respeitado, incluindo o casamento homoafetivo. É preciso que estejamos à luz da história e da realidade", afirmou Azevedo, que foi um dos defensores da criação da união estável, prática legal nos dias de hoje.  

A advogada Vera Fradera defendeu na palestra "A uniformização dos prazos de prescrição na responsabilidade civil contratual e extracontratual" que todo direito esteja na responsabilidade civil. "Essa responsabilidade não admite a diferença dos prazos de prescrição porque elas se conectam em um fenômeno da sociedade civil: o contato social. Esse elemento de conexão deve ser levado em conta e, por isso, proponho que abandonemos a distinção em relação aos prazos de forma a trabalharmos na uniformidade do débito e do contrato para que acordamos em uma melhor reparação civil final", afirmou Fradera, que recebeu o apoio da maioria da plateia em resposta à proposta. 

Na palestra "Novas modalidades condominiais previstas na Lei 13.465/17", o advogado Rodrigo Toscano de Brito falou sobre a modalidade de condomínio de lotes e de condomínio urbano simples. Para ele, os condomínios urbanos simples vêm para resolver assuntos relacionados a casas construídas no mesmo terreno, muitas vezes, por familiares. 

"Casas e cômodos no mesmo lote poderão ser construídos como condomínio urbano e cada imóvel terá um registro de matrícula diferente, não havendo a necessidade da convenção de condomínio, o que facilitará muito. Claro que existirá um contrato que regulamentará a convivência", afirma Brito, que também defendeu a proposta de considerar que o condomínio de lotes deve ser guiado pela Lei de Condomínio Fechado e não pela Lei de Loteamento. A proposta foi aceita pela plateia. 

Stela Barbas, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto/Portugal, falou na palestra "Direito do Genoma Humano" sobre pesquisas científicas e direito. Para ela, o discurso jurídico diante do genoma humano deve encontrar soluções em virtude de problemas oriundos das descobertas até então desconhecidas pelos seres humanos. "Identificar problemas jurídicos equacionados pela tecnologia do genoma humano, como as aplicações que vão ditar as regras do Direito através do caráter multidisciplinar do genoma humano, é o nosso papel. Além disso, precisamos conter os princípios de valores e as relevâncias e aplicações dos estudos e para a sociedade", afirmou Stela Barbas.

"Estamos em um momento em que existem muitas pesquisas de doenças que são causas de inúmeras mortes e ninguém vai parar com esses avanços científicos. Mas cabe a nós tentar ajudar na liberdade das pessoas, além de defender as raízes da dignidade humana e defender a não discriminação das pessoas diante dos estudos e achados do genoma de cada uma”, concluiu.

Na palestra "Direito Civil na Atualidade", o advogado Esdras Dantas de Souza falou sobre a multiparentalidade socioafetiva. "Muitas pessoas não estão ligadas pelo vínculo biológico, mas estão ligadas pelo afeto e pela convivência. Esses dois requisitos são fundamentais para que haja o reconhecimento do parentesco socioafetivo", afirma Souza. O advogado falou também sobre os efeitos desse parentesco, no qual a Justiça deve regulamentar a guarda, o alimento e o direito sucessório: "Essa nova realidade do nosso país está sendo construída e é importante para nós advogados aprendermos e pensar a respeito desse assunto", concluiu Souza. 

Painel 11 – A nova lei trabalhista guiou debate lotado no segundo dia da Conferência

São Paulo - A recente reforma da legislação trabalhista, materializada na Lei 13.467, que entrou em vigor em 11 de novembro, mas ainda tem itens a serem regulamentados por Medida Provisória (MP 808), foi tema de debates do Painel 11, no segundo dia da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, com auditório lotado. A mesa foi presidida por Paulo Antônio Maia e Silva, tendo Pedro Donizete Biazotti como relator e Maurício Gentil Monteiro como secretário.

Com o tema “Flexibilização dos Direitos Trabalhistas”, Delaíde Arantes, ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), citou vários dados para dar dimensão da realidade brasileira e o contexto em que a lei foi implementada. Destacou, por exemplo, o fato de o Brasil acumular 388 anos de escravidão e apenas 130 de trabalho livre, ter 72% de seus trabalhadores recebendo até dois salários mínimos, 3 milhões de crianças e adolescentes no trabalho infantil e 167 mil pessoas submetidas a trabalho análogo ao de escravo, além de ser o quarto no mundo em acidentes de trabalho. “Foi um grande retrocesso jurídico e social”, afirmou, sobre a nova lei.

Ressaltando o fato de ocupar no TST vaga destinada à advocacia, Delaíde também fez referência crítica à Portaria 1.129, do Ministério do Trabalho, que alterou conceitos sobre trabalho escravo – a norma foi suspensa liminarmente por decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ela, as mudanças na CLT foram aprovadas de forma apressada e com alta rejeição. A ministra citou nota técnica assinada por 17 dos 27 integrantes do TST, contrários à reforma, também objeto de estudos de entidades como a Anamatra e a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), além da própria OAB, que em parecer apontou 18 inconstitucionalidades.

A ministra do TST identifica um “inconformismo histórico” de setores da sociedade com a Justiça e o Direito do Trabalho. E lembrou, citando dados do Conselho Nacional de Justiça, que o ramo trabalhista responde por apenas 6% dos litígios no Brasil. “Flexibilização de direitos não é solução para a crise. Não foi em nenhum lugar do mundo. O que o Brasil precisa é crescimento econômico, investimentos.” Ela refutou ainda quem diz que os juízes não pretendem aplicar a nova lei: será aplicada, mas preservado o direito de interpretação. E lembrou que se trata de lei ordinária. “Eu costumo brincar que de ordinária tem tudo.”

A desembargadora Tânia Reckziegel, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, falou sobre os direitos da mulher na reforma trabalhista, mostrando preocupação com os impactos da nova lei e também vendo retrocessos. Ela citou, por exemplo, o Artigo 394-A da Lei 13.467, que contempla a possibilidade de a empregada gestante ou lactante trabalhar em atividade insalubre. “Ninguém deveria trabalhar em atividade insalubre. Isso, para mim, é um dos maiores prejuízos. Isso não pode prevalecer”, afirmou a desembargadora, lembrando que esse item foi incluído na MP 808 e poderá ser modificado.

A desembargadora citou outros pontos da lei, como os que tratam do intervalo de 15 minutos antes de um período de horas extras (revogado) e dos descansos para amamentação (que agora precisam ser negociados). Para a juíza, a reforma demonstrou que o conservadorismo dos parlamentares brasileiros continua presente, e eles são refratários a políticas afirmativas de participação feminina na sociedade. 

“Faltou mais debate”, avaliou, fazendo no início da exposição um panorama do lento avanço histórico dos direitos sociais das mulheres no Brasil. “Para nós, sempre foi um desafio conquistarmos espaço e, principalmente, direitos. Precisamos de boas bases de políticas públicas.” A realidade ainda mostra desigualdade de tratamento, discriminação, violência e assédio. Situações que ela vivencia diariamente no Tribunal. “Às vezes, são ações muito doídas”, confessou.

Negociado x legislado

O presidente da OAB de Minas Gerais, Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, abordou uma das questões mais polêmicas da lei: a prevalência do negociado sobre o legislado. Começou citando um compositor de sua terra, ao afirmar que o legislador não ouviu Beto Guedes (sobre o “fruto do trabalho” ser sagrado). “A reforma vai afetar e vedar em grande parte o acesso à Justiça Trabalhista. Vamos ter muito trabalho na compreensão e no entendimento global do texto”, explicou.

Ele citou o ministro do TST Mauricio Godinho Delgado para observar que à Justiça do Trabalho cabe preservar um patamar mínimo civilizatório. Ao se diminuir rendimentos e retirar direitos, a economia também será afetada, lembrou. “Uma lei não revoga a realidade e não revoga tudo o que foi criado ao longo do tempo”, disse.

O ex-presidente do STF Carlos Velloso falou sobre a terceirização, incluída na Lei 13.467 e também na 13.429, que alterou parcialmente a Lei 6.019 (de 1974), sobre trabalho temporário. Sustentou a importância da especialização para algumas atividades. E disse considerar que a Súmula 331, do TST, traz inconstitucionalidades. Essa súmula, que agora deverá ser alterada, veda a prática da terceirização em atividades-fim das empresas.

Para Velloso, a terceirização é uma necessidade na dinâmica da economia moderna. “Não é uma modalidade de contratação para burlar a legislação trabalhista. Contra isso temos a Justiça do Trabalho e o Ministério Público. Também não é uma forma de precarização, mas essencialmente ferramenta no mercado atual que visa a gerar ganhos de competitividade”, expôs.

O professor da Universidade de São Paulo (USP) Otavio Pinto, que falou sobre unicidade e custeio sindical e apresentou um panorama do arcabouço legal desde os anos 1930, criticou o fato de a Lei 13.467 ter tornado a contribuição sindical opcional sem discutir, ao mesmo tempo, outras formas de sustentação das entidades. “Há uma omissão do Congresso, absolutamente injustificável, em regular a contribuição negocial.” Ele lembrou que a Lei 11.648, de 2008, que regulamentou as centrais sindicais, falava nessa nova contribuição, que substituiria o chamado imposto sindical. 

Sem isso, agora os sindicatos enfrentam dificuldades. Alguns já teriam iniciado demissões e enxugamento de estrutura. “Não houve uma previsão de como os sindicatos vão sobreviver”, frisou. Para o professor, a reforma deveria ter começado pela organização sindical e pela representação no local de trabalho. Ele também questionou o conceito de unicidade, lembrando que o Brasil tem, segundo dados recentes, quase 16.500 entidades. 

Também para Pinto, faltou um debate mais aprofundando sobre as necessárias mudanças. Para o especialista, a reforma continua indispensável e deve ter como premissa a liberdade – nesse sentido, ele defendeu a ratificação da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). É, como disse, “condição indispensável para a valorização da negociação coletiva”.

Inconstitucionalidades

Conselheiro federal da OAB, Bruno Reis de Figueiredo , presidente dos Comitês de Direito Sindical da Ordem federal e em Minas Gerais, tratou dos reflexos da lei no Direito e nas entidades. Ele apontou “inconstitucionalidades evidentes” na lei, lamentando a postura do Congresso na tramitação. Um senador chegou a dizer a ele que a preocupação se limita aos aspectos políticos, e não técnicos, da proposta.

“Houve inversão da hierarquia das normas”, disse Figueiredo, ao abordar o negociado e o legislado. “Para quem é interessante esta inversão? Com certeza não é para os trabalhadores.” Segundo ele, a lei teve como objeto enfraquecer as entidades sindicais.

O conselheiro citou itens como a dispensa dos sindicatos em homologações, demissões coletivas sem necessidade de negociação e o fim da ultratividade (que já era questionada no STF), princípio pelo qual as normas dos acordos coletivos permanecem válidas até a renovação. Além disso, o chamado trabalho intermitente, em sua visão, resultará em queda no rendimento do trabalhador, com possíveis conseqüências sociais, como aumento da inadimplência e da criminalidade.

Último a falar neste painel, o ex-presidente do Conselho Federal da OAB e membro honorário vitalício Cezar Britto teve uma palestra com título quase autoexplicativo: “A ‘modernização’ da legislação – o renascimento da Idade Moderna.” Ele avaliou que a reforma teve como sentido fazer com que o empregador deixe de pagar direitos devidos. Identificou um retorno aos tempos de servidão e, evocando os princípios da dignidade humana e da valorização social do trabalho, considerou que o ser humano voltou a ser tratado como “coisa a ser apropriada pelo menor preço”.

Agora, é preciso pensar no que fazer, disse Britto. “O legislador já concluiu o seu perverso trabalho. Não basta dizer que o advogado é essencial à Justiça. A nossa missão é muito maior”, afirmou. Ele propõe que a organização de cursos para que os profissionais se preparem para essa nova realidade. “Temos de voltar a estudar fortemente, Direito Constitucional, Internacional, Civil, porque os trabalhadores precisarão de nós na busca por direitos”, alertou.

O ex-presidente da OAB lamentou que muitos, “inclusive alguns que vestem toga”, abandonem a visão de que a Justiça do Trabalho é instrumento de inclusão social. Por isso querem destruí-la, acrescentou. Ressaltou que a lei ordinária (“Em todos os sentidos”) deve se submeter ao controle da legalidade. Para ele, fizeram uma aberração com a legislação trabalhista, e “é preciso que a OAB externe esse pensamento”. Também é preciso, afirmou, que o TST oriente sobre as mudanças, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fez em relação ao Código Civil.

Ao final, foram aprovadas cinco resoluções: pela ratificação da Convenção 87 da OIT; repúdio à forma “ilegítima e ilegal” de aprovação da lei e suas conseqüências, e também às manifestações pela extinção da Justiça do Trabalho e a afirmações “levianas” de que os juízes não pretendem aplicá-la; por realização, com urgência, de cursos para questionar a reforma trabalhista; denúncia do Estado brasileiro em instâncias internacionais sobre o retrocesso provocado pela reforma trabalhista; e a favor da criação, pelo Conselho Federal, de um grupo permanente para propor e participar do processo de elaboração de novas súmulas trabalhistas.

Painel 12 – A participação da advocacia para o fortalecimento dos métodos extrajudiciais

Brasília - A XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, na manhã desta terça-feira (28), abordou o tema de métodos extrajudiciais na resolução de conflitos. O Painel 12, que foi presidido por Arnoldo Wald Filho, teve como relatora Ana Carolina Riellae Marina Gaensly como secretária. No discurso de abertura, o presidente da mesa afirmou que “este é um momento de construção, quando o advogado tem a necessidade de usar todas as ferramentas disponíveis e contribuir de maneira rápida e eficiente para a resolução dos conflitos de seus clientes”.

A primeira palestra ficou a cargo do professor de Harvard Robert Bordone, que falou sobre a mediação e a negociação como ferramentas de trabalho do advogado e como essa ainda é uma área desconhecida entre muitos profissionais do Direito. Também deu sugestões aos que desejam atuar como facilitadores.

“É preciso desenhar a estrutura das reuniões, pois elas ajudam que a conversa aconteça; a ter conhecimento do processo legal, com estrutura que permita a conclusão; e a desenvolver um ambiente onde as partes possam falar e ouvir”, ensinou. Bordone ainda compartilhou as técnicas que podem ser utilizadas e explicou o trabalho que realiza com alunos de Harvard e diversas comunidades dos Estados Unidos, sempre envolvendo ações de mediação e facilitação. 

Em seguida, o público escutou a palestra de Ricardo Cesar Correa Pires Dornelles, presidente da Comissão Especial de Mediação e Práticas Restaurativas da OAB-RS. Dentro do tema ‘A Advocacia e a Resolução Extrajudicial de Conflitos’, ele falou sobre a Lei de Mediação e deu enfoque ao papel relevante e técnico desempenhado pelo advogado. “Na composição da negociação do termo de acordo, é imprescindível a presença do advogado. O mediador tem um papel diferente, ele trabalha a comunicação, facilitando o diálogo, o que é um fator favorável para o advogado, mesmo que não se chegue a uma solução. No momento do acordo, os advogados também devem estar presentes para segurança jurídica, análise de interpretações ou mesmo para construir com outros colegas o que mais interesse às partes”. Frisou também que não há necessidade de levar todas as questões para o Judiciário.

No discurso de André Gomma de Azevedo, juiz do Tribunal de Justiça da Bahia, a abordagem foi pautada por políticas públicas brasileiras em matéria de acesso à Justiça, ressaltando, principalmente, a importância de saber trabalhar com os números. Ele concluiu com uma avaliação sobre a importância dos honorários advocatícios nas mediações. “O sistema punia o advogado que solucionava o caso mais rápido. Agregar valor é fundamental para reivindicar valor. Por isso, eu realizo meus interesses por intermédio da pessoa com quem eu estou interagindo”, disse.

Inovações e oportunidades

Para falar sobre inovações e oportunidades, apalavra foi dada à coordenadora de Mediação, Conciliação e Arbitragem da ESA-MG, Dulce Nascimento, que indicou caminhos possíveis para a resolução de conflitos e as razões para um profissional usar a mediação. “O perfil tradicional é algo que precisa ser transformado. Há uma oportunidade de reinvenção profissional. Os advogados podem atuar na mediação como conselheiro ausente, observador consultivo, colaborador perito, profissional de apoio e porta-voz”, exemplificou. 

A apresentação seguinte foi do Conselheiro Federal da OAB Daniel Fabio Jacob Nogueira sobre o cenário brasileiro da arbitragem para a advocacia, como o tamanho do mercado. Ele trouxe como exemplo um caso ocorrido no Amazonas. “Em 2014, o mercado era inexpressivo. A OAB assumiu a responsabilidade no desenvolvimento da arbitragem amazonense. Entre as ações, estimou a comunidade a partir de grandes escritórios e investiu na categoria de base. Atualmente, há cerca de 200 pessoas que estudam arbitragem no Estado”, disse.

Com relação à arbitragem na administração pública, Gustavo Schmidt, professor da FGV-RJ, definiu a relação como uma história de amor não correspondido. “A arbitragem sempre quis a administração pública, que resiste”, segundo Schmidt. “Tal resistência é injusta e não desejável, afinal isso permitiria a redução do custo de transação envolvido no emprego de litígios da administração pública e o aumento da responsabilidade política do governante”, ressaltou. 

A última apresentação do painel foi realizada pelo advogado Ricardo Ranzolin, que mencionou questões que podem obstaculizar o desenvolvimento da arbitragem, como a ampliação de precedentes do Novo Código de Processo Civil. “Operadores do Direito estão molhando o jardim, enquanto a casa pega fogo, já que estão voltando sua atenção para onde não precisa”, argumentou .Quanto aos precedentes vinculantes, questões repetitivas e como o Novo CPC coloca a arbitragem como alternativa para a conciliação de conflitos. 

A relatora Ana Carolina Riella demonstrou proposições à votação. Foram elas: abordagem da facilitação nos próximos congressos da OAB, sugerida por Bordone; fomento dos cursos de formação de advocacia na mediação e de treinamento de mediadores para lidar com advogados, proposto por Dornelles; oferta de cursos – presenciais e não presenciais – em negociações e outras formas consensuais de solução de disputas, sugerido por Gomma; introdução de questões sobre MESOS (mediação imparcial entre medidas extremas) na prova da OAB; 

Também foram propostos: criação na ENA e nas ESAs de cursos de advocacia na mediação, com 40 horas de duração e oferecimento de serviços de mediação, com tabelas de honorários uniformizada nas OABs Seccionais, proposta por Dulce; e inexistência de incompatibilidade entre arbitragens e o princípio da indisponibilidade do interesse público, cabendo à advocacia estimular a utilização da arbitragem como método de solução de conflitos envolvendo a administração pública, sugerido por Schmidt. Todas as proposições foram aprovadas pelos participantes. 

Painel 10 – Conferência debate acordos de Leniência e delações premiadas

São Paulo (SP) - “Acordo de Leniência e Delação Premiada” foi o tema do Painel 10, desta terça-feira (28), da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, no Pavilhão de Exposições Anhembi, em São Paulo. O painel foi presidido por Renato da Costa Figueira, teve como relator José Alves Maciel e como secretário Edward Johnson Gonçalves Abrantes.

Na abertura dos trabalhos, Benjamin Zymler, ministro do TCU, discutiu Os problemas relativos ao acordo de leniência e o papel do TCU. O advogado tratou o tema como o mais relevante da atualidade no que diz respeito aos órgãos que trabalham para a realização de acordos.

“Com a Lei nº 12.846 criamos um grupo de estudos que já vislumbrava muitas dificuldades ao tratar do tema. Um dos problemas é que o Brasil não tinha lei específica e a lei não foi discutida pela sociedade”, afirmou Zymler.

Segundo o advogado, ainda assim, a lei de acordos de leniência prosperou porque havia “vontade política de promulgá-la com rapidez. Zymler disse, ainda, que o país vive uma situação complexa, onde há que ser utilizado o direito como ciência de responsabilidade para que tais institutos possam ser usados.

Em seguida, Marcelo Machado Bertoluci, conselheiro federal da OAB-RS, apresentou o tema “Regime Jurídico dos Acordos de Leniência”. Segundo ele, o tema “representa um desafio para a OAB, que tem o dever de bem equilibrar os dois pratos da balança no campo corporativo e da cidadania.”

Para o advogado, o Brasil tem que encarar a presença do instituto dos acordos de leniência. Segundo ele, “se a corrupção for reduzida a índices como os do México – onde ela não deixa de ser elevada – o PIB brasileiro aumentaria 1% ao ano”.  Bertoluci, porém, não escondeu os temores de que princípios da ampla defesa e do contraditório não sejam respeitados neste contexto. Após a apresentação, Costa Figueira apresentou ao plenário, para votação, uma proposta de que a OAB tenha um interlocutor junto ao Cade. A proposta foi aprovada.

Na sequência, o advogado Cezar Bitencourt apresentou o tema “As Polêmicas Éticas e Jurídicas sobre a Delação Premiada no âmbito do Processo Penal”. “A delação premiada e a operação Lava Jato vieram para o bem e para o mal. Essa conquistou apoio porque vem dando respostas positivas ao país, por estancar a sangria dos cofres públicos”, disse.

O advogado garantiu, entretanto, ser crítico ao instituto não porque seja contra o combate à corrupção, mas porque não concorda com a metodologia utilizada pela Lava Jato, “que não respeita as garantias individuais.” “A Lava Jato não está acima do bem e do mal. Deve, sim, estar aberta a aperfeiçoamentos”, afirmou Bitencourt, para quem a operação “não pode pressionar o Congresso Nacional em seu proveito.”.

O quarto advogado a se apresentar foi José Roberto Batochio. Ele falou sobre a delimitação e admissibilidade do Direito Penal. Ele garantiu que a delação premiada foi um instituto importado em um contexto mais amplo. Lembrou que em 1988, durante os trabalhos para aprovar a Constituição, os advogados defenderam a necessidade de garantir o exercício da advocacia como forma de responder às arbitrariedades da ditadura e a proposta foi encaminhada à conferência da OAB em Belém do Pará.

Referindo-se à atualidade e à delação premiada, Batochio assegura que “o apelo da grande imprensa exigiu dos poderes constituídos uma resposta aos problemas da criminalidade, impossível de ser totalmente eliminada”. “Então, o Poder Judiciário começou a flexibilizar os direitos e garantias dos acusados com a desculpa que era para combater a criminalidade. Como resultado, vemos hoje um estado de coisas inconstitucional.  A delação premiada fere cláusulas pétreas da Constituição no que diz respeito aos direitos individuais”, disse Batochio.

Já o advogado Marcelo Leonardo discorreu cobre a delação premiada e a execução penal. Segundo ele, a delação pode e deve ser usada para apurar e como meio de defesa do acusado. Ainda assim, ele garante que o instituto deve sofrer aprimoramentos, com regras claras sobre limites.

“O procedimento do acordo deve ser regulado, pois ainda é um procedimento sem disciplina e fora de qualquer norma, com prisões sem prazos claros, com reuniões sem atas sobre quem compareceu a elas. A lei penal deve ser feita observando o Estado Democrático de Direito e a legalidade”, finalizou.

Fechando o painel, Mauricio de Oliveira Campos Júnior, conselheiro federal da OAB, apresentou o painel “Acordos de Delação sem o Devido Processo Legal”. Ele apontou um cenário de caos com a existência de um código de processo penal antigo e um país com instabilidade política. “O que vemos é um MP fortalecido em demasia e os advogados, aos poucos, foram sendo criminalizados na função de defensores”, afirmou.

O advogado disse ainda que o STF é “tímido frente ao Ministério Público e acusou o MP de “escolher com quem faz acordos de delação”. Enquanto isso, segundo ele, o Poder Judiciário fica passivo e impotente.


Painel 9 – Os desafios da defesa do direito da criança e do adolescente na Conferência

São Paulo – O Painel 9, com o tema “O Direito da Criança e do Adolescente”,  deu início ao segundo dia da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, na manhã desta terça-feira (28), em São Paulo. O painel foi presidido por  Marco Aurélio de Lima Choy, acompanhado pelo relator Luciano Rodrigues Machado e pelo secretário Antônio Fábio de Mendonça.

Antonio Marcos Nohmi, diretor da Universidade FUMEC, de Minas Gerais, deu início às apresentações falando sobre adoção. Ele relatou que há hoje no país 8.287 crianças e adolescentes em condição de serem adotadas e um número bem maior de pessoas habilitadas para adotar: 41.789. No entanto, o número de crianças que conseguem um novo lar vem diminuindo. Um dos obstáculos está na preferência por crianças pequenas: 80% estabelecem como limite até cinco anos e apenas 1,23% das pessoas aceitam adolescentes.

O trabalho infantil foi tema da Coordenadora da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI), Marinalva Cardoso Dantas. Ela apresentou um extenso histórico dos avanços e desafios ao combate da exploração de crianças no Brasil, desde a década de 1990, quando um levantamento inédito apontou a existência de 8 milhões de crianças nessas condições, com registros de escravidão e exploração sexual. A palestrante também mostrou imagens de crianças encontradas em condições degradantes em diversas regiões brasileiras, além de estudos sobre as consequências do trabalho infantil para a saúde física e emocional das crianças.

Em seguida, Glícia Thais Salmeron de Miranda, conselheira federal da OAB, ao tratar da violência sexual, afirmou que vêm crescendo no país os casos de exploração sexual-comercial de crianças e adolescentes, e que o problema afeta todas as camadas sociais. Segundo ela, o país vive um retrocesso em relação à priorização da criança e do adolescente. Exemplo disso são as propostas legislativas sobre redução da maioridade penal e aumento do tempo de internação para infratores. “Crianças e adolescentes não são vistos como sujeitos de Direito. Não são tratados como prioridade”, declarou.

Já o palestrante Guilherme Perisse, do Instituto Alana, apresentou o projeto Prioridade Absoluta, que defende ações para que a criança tenha proteção integrada, completa. Destacou a importância do afeto para o desenvolvimento emocional e cognitivo da criança, sobretudo até os seis anos de idade.

O advogado Ariel de Castro Alves tratou das medidas socioeducativas e fez duras críticas à proposta de redução da maioridade penal, que representaria “colocar o adolescente sob os cuidados do crime organizado”.

Encerrando o painel, o procurador de Justiça aposentado Wanderlino Nogueira Neto tratou da Política de Atendimento à Criança e Adolescente, apresentando extensa e detalhada análise da organização nacional e internacional que trata da promoção e proteção dos direitos humanos, dos mecanismos existentes. Ele fez críticas à “confusão” que muitos ainda fazem sobre, por exemplo, a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente e política de assistência social.