Carta de Fortaleza reúne 43 propostas para fomentar defesa dos direitos humanos

Fortaleza – O diretor tesoureiro da OAB, Antonio Oneildo, fez o discurso de encerramento da VII Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizada na cidade de Fortaleza. Ele fez um balanço da Conferência e comentou a respeito da Carta de Fortaleza, lida na cerimônia de encerramento pelo presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Everaldo Patriota. A carta reúne 43 propostas oriundas das discussões realizadas no âmbito da Conferência.

“Esta carta é o modelo para o próximo triênio de atuação da Ordem para defesa dos direitos humanos com todas as suas pautas. Havia 43 propostas consensuais frutos dos debates intensos e ricos protagonizados por diversos participantes ao longo desses três dias de encontro em que compartilhamos sentimentos e ideias, com convergência da convicção democrática e humanitária em defesa e para fortalecimento da advocacia e sobretudo da cidadania brasileira. Portanto, que esta carta seja o roteiro dos horizontes de atuação de todo o sistema OAB e inspira a advocacia brasileira. Ela comporá o cotidiano de nossos atos. Esta carta vai afetar o sistema, será a vanguarda da advocacia brasileira para a sociedade na defesa dos direitos humanos”, disse Oneildo.

Leia abaixo a íntegra da Carta de Fortaleza:

VII Conferência Internacional de Direitos Humanos – Fortaleza - CE

Nós, participantes da VII Conferência Internacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, reunidos na cidade de Fortaleza – Ceará, entre os dias 23 e 25 de maio de 2018, debatemos sobre a atual conjuntura dos Direitos Humanos no Brasil tendo como tema: “Retrocessos”. Reconhecemos o papel histórico da Ordem dos Advogados do Brasil, a relação intrínseca entre a Democracia e os Direitos Humanos e aprovamos as seguintes propostas:

1. Incentivar a formação de Comissões no âmbito do sistema OAB e a produção acadêmica relacionada ao desenvolvimento urbano considerando o direito à moradia como Direito Fundamental conforme previsto no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

2. Denunciar a existência de despejos forçados, sem ordem judicial e em inobservância às normas internas e internacionais consistindo em remoções ilegais de comunidades e ocupações.

3. Incentivar a promoção de política públicas que garantam a inserção social de crianças e adolescentes fomentando o sentimento de pertencimento ao local de residência e minimizando sua estigmatização quando em situação de vulnerabilidade social.

4. Apontar que o PLC 19/2018 que cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) desconstrói a política de natureza reparadora das medidas socioeducativas aos adolescentes, não sendo esta política da área restrita da segurança pública, o que pode majorar a criminalização de grupos vulneráveis.

5. Defender e adotar ações práticas para que seja garantido de forma livre o direito de livre manifestação do pensamento.

6. Reafirmar o pacto político de 1988 se opondo a qualquer tentativa de relativização dos princípios constitucionais atinentes aos Direitos Humanos.

7. Promover a discussão de políticas públicas para os refugiados combatendo o discurso discriminatório, inclusive se atendo à diferenciação de medidas quanto ao acolhimento de refugiados indígenas.

8. Defender a garantia de utilização de símbolos religiosos, inclusive nos locais de prova para concursos públicos como forma de respeito à diversidade religiosa;

9. Incentivar a criação de coordenadorias de promoção da liberdade religiosa nos Estados e Municípios.

10. Defender e Fiscalizar que as delegacias registrem de forma correta as ocorrências de discriminação ou preconceito relativos à religião.

11. Incentivar a instalação de delegacias especializadas para pessoas idosas.

12. Demandar ao Governo Federal o cumprimento das normas constitucionais referentes à demarcação e titulação de terras indígenas e territórios quilombolas.

13. Apoiar o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e ao Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), reconhecendo a legitimidade de sua atuação na discussão e proposição de políticas e Direitos Humanos relacionados às suas identidades, territorialidade e modos de vida.

14. Defender o fortalecimento dos programas de proteção a defensoras e defensores de Direitos Humanos ameaçados.

15. Cobrar celeridade na apuração e responsabilização da chacina de Pau D’Arco, assim como a proteção aos advogados que atuam no caso.

16. Cobrar a fiscalização do cumprimento dos tratados internacionais pelo Ministério Público e Casas Legislativas.

17. Buscar garantir a concreta efetivação dos direitos das pessoas com deficiência por meio de eventos/capacitação visando a publicização dos direitos dispostos na Convenção da ONU, na Lei Brasileira, na Constituição Federal e nas legislações infraconstitucionais.

18. Fortalecer a Democracia e a participação popular discernindo que o presente momento é de dificuldade institucional e que isso pode favorecer interesses de grupos econômicos identificados com fatores reais de poder, que contornam e precarizam o exercício da Democracia representativa.

19. Encaminhar à Conferência Nacional da OAB proposta de mudança do nome da Ordem dos Advogados do Brasil para Ordem da Advocacia do Brasil;

20. Fortalecer políticas internas para garantir o exercício da advocacia por mulheres gestantes e lactantes visando seu bem estar e de sua família.

21. Reconhecer a existência de tentativas diversas de restrição de direitos fundamentais, particularmente os de caráter social.

22. Propor reforma legislativa com o objetivo de vedar a atuação do Ministério Público em auxilio das policias, vez que é detentor do controle externo da atividade policial.

23. Propor a constitucionalização do inquérito policial com o investigado passando a ser visto como sujeito de direitos com respeito à ampla defesa e ao contraditório.

24. Propor reforma no CPP redefinindo os pressupostos da prisão temporária e restringindo a prisão preventiva para crimes de violência e grave ameaça em estabelecimento penal e os demais cumpridas em regime domiciliar com monitoramento eletrônico, excetuando os casos em que haja risco concreto de fuga.

25. Solicitar urgência na aprovação da lei de abuso de autoridade em trâmite no Congresso Nacional, assim como a cobrança junto ao Ministério Público de efetivo controle externo das Polícias.

26. Promover e incentivar estudos sobre a Constitucionalidade da Lei de Organizações Criminosas e da Lei Antiterrorismo, assim como a sua possível aplicação em face aos movimentos sociais.

27. Atuar contra a concessão de ordens judiciais de interditos proibitórios genéricos ou de elevada abrangência, que visem impedir a livre manifestação democrática de cidadãos e movimentos sociais.

28. Estabelecer ações com as demais Entidades de Advogados da América para que se implementem ações no intuito da implementação de uma cultura de efetivação plena dos Direitos Humanos nas Américas.

29. Garantir que a cota mínima de participação de mulheres na OAB seja para a titularidade dos Conselhos e também Diretorias.

30. Garantir o respeito ao ECA e ao SINASE no cumprimento das medidas socioeducativas.

31. Capacitar a advocacia e agentes da segurança pública para a correta identificação das violências cometidas contra as mulheres, inclusive o feminicídio e a difusão da igualdade de gênero.

32. Denunciar o racismo estrutural no Brasil e a seletividade do sistema penal brasileiro, propondo as Seccionais da OAB: a construção de políticas de combate à discriminação, como por exemplo a formação de Comissões da Verdade sobre a Escravidão Negra, propondo ainda um plano estadual de igualdade racial a exemplo da OAB/PR.

33. Fomentar debates sobre a possibilidade de inclusão de cotas raciais para o provimento de cargos pelo quinto constitucional.

34. Denunciar o crescimento do discurso de ódio contra a defesa dos Direitos Humanos.

35. Promover a discussão pública sobre a revisão da Lei de Anistia.

36. Denunciar o fracasso de políticas de segurança pública pautadas no proibicionismo, condenando recentes iniciativas de recrudescimento da política de drogas como a PL 7663, de autoria do senador Osmar Terra, como também a nova política do Conselho Nacional de Drogas. Fortalecer a ampliação do debate sobre a legalização e regulamentação do consumo, inclusive como terapia medicinal.

37. Denunciar o grave problema da excessiva medicalização de drogas psiquiátricas no Brasil.

38. Condenar exigências de histórico de dependência química ou saúde mental como possível critério para exclusão nos certames públicos.

39. Apoiar a aprovação do Projeto de Lei 6670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos - PNARA, garantindo a redução do uso de agrotóxicos no Brasil.

40. Repudiar a aprovação do Projeto de Lei 6299/2002, conhecido como "Pacote do Veneno", bem como a possibilidade de flexibilização do licenciamento ambiental, pela PEC 65/2012, PLS 654/2015, PLS 168/2018 e PL 3729/2004, e o PLC 34/2015, que altera a Lei de Biossegurança para liberar os produtores de alimentos de informar ao consumidor sobre a presença de componentes transgênicos na composição do produto alimentício, violando o direito da sociedade à informação sobre a presença de transgênicos em produtos.

41. Apoiar políticas públicas de humanização do cárcere como melhorias nas condições das unidades, cursos profissionalizantes, a inserção profissional dos egressos e o respeito a identidade religiosa.

42. Defender prazo limite para a prisão preventiva.

43. Acatar a declaração constante no Relatório da ONU, PNUMA/UNEP, de que as ações humanas são as maiores causadoras das mudanças climáticas e estas a maior ameaça ao meio ambiente natural e aos DIREITOS HUMANOS de nosso tempo.

Palestra magna sobre direitos humanos e democracia encerra VII Conferência em Fortaleza

Fortaleza (CE) – O presidente da OAB Bahia, Luiz Viana, proferiu a palestra magna de encerramento da VII Conferência Internacional de Direitos Humanos da OAB, na noite desta sexta-feira (25), na capital cearense. O tema da apresentação foi Direitos Humanos e Democracia.

Viana centrou sua exposição em artigos da Carta Interamericana Democrática, aprovada na sessão plenária de 11 de setembro de 2001 da Organização dos Estados Americanos (OEA). “Uma das considerações iniciais do documento é a de que a democracia representativa é elemento indispensável para a paz e o desenvolvimento da região da América. A promoção e a proteção dos direitos humanos são condições fundamentais para a existência de uma sociedade democrática”, disse.

“É curioso observar como nós, da área jurídica, não aprendemos a lidar com conceitos capazes de justificar a realidade social brasileira. A gente tem que visitar a sociologia, a história, na filosofia. Ou seja, temos uma formação considerada ruim para aquilo que verdadeiramente se passa na sociedade brasileira. Eu mesmo entrei na faculdade e aprendi conceitos básicos, como licitude e ilicitude, e até hoje sempre que olho para aspectos de nossa sociedade me pergunto sobre o que é lícito e o que é ilícito, mas sei que isso não explica causas e nem consequências. A sociedade brasileira é hierarquizada, excludente e violenta. Nada disso é explicado pelo direito”, continuou.

Ele sustentou duas teses: a primeira de que direitos humanos e democracia são conceitos interdependentes e a segunda de que o cidadão tem o direito de não ser governado por pessoas piores do que ele mesmo. “Pensar um conceito de sociedade democrática é fundamental para entender que a nossa não é assim. É hierarquizada, excludente e violenta. A democracia é pressuposto do exercício das garantias fundamentais e dos direitos humanos em seu caráter universal, indivisível e interdependente”, ponderou.

Por fim, Viana lamentou o fato de o Brasil ‘estar se especializando na intolerância, onde candidatos bem avaliados pela população propugnam posturas e atitudes intolerantes, fato que suscita preocupação por despertar sentimentos que em nada colaboram com a efetivação da democracia e dos direitos humanos’.

Efetivação de direitos da população LGBTI guiam painel na VII Conferência de Direitos Humanos

Fortaleza (CE) - O quinto painel da VII Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizado na tarde desta sexta-feira (25) em Fortaleza, teve como tema principal a efetivação e garantia dos direitos da população LGBTI, abordando aspectos como reprodução assistida e cirurgia para pessoas transexuais. Vanessa Venâncio, da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-CE, presidiu os trabalhos, enquanto Dandara Pinho, da Comissão de Igualdade Racial da OAB-BA, secretariou.

Marianna Chaves, membro da Comissão Especial da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Nacional, abriu os trabalhos com palestra sobre os direitos reprodutivos da população LGBTI. Segundo ela, não se trata de direitos especiais, mas sim de igualdade. Para a advogada, todos têm direitos reprodutivos, seja heteros, bi ou homossexuais, pois eles se encaixam em princípios constitucionais como dignidade, liberdade, igualdade e não discriminação. No entanto, não há no Brasil regulamentação da reprodução humana assistida, cabendo ao Conselho Federal de Medicina estabelecer as regras. Não havendo uma lei, explica, “nos falta segurança jurídica”.

Para Marianna Chaves, os direitos reprodutivos devem ter sempre em primeiro lugar o interesse da criança. No caso dos casais homoafetivos, não há necessariamente uma infertilidade fisiológica, mas uma social. O quadro se agrava pelo alto custo dos procedimentos de reprodução humana assistida, assim como a recusa de cobertura pelos planos de saúde e a pouca oferta no SUS. “O que podemos fazer? Dizer que os direitos de uma parcela da sociedade valem mais do que de outra? Não! Precisamos encontrar alternativas que assegurem os direitos de todos”, afirmou.

Raquel Castro, presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-RJ, trouxe a questão da cirurgia de transgenitalização pela rede particular e sua cobertura por planos de saúde. Segundo a advogada, não há impedimento para esta cobertura, mas os planos de saúde têm lutado na Justiça para não realizar o procedimento. Ao argumentar por que ela deveria ser coberta, a especialista apontou aspectos como: a cirurgia está inserida no rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde, mas não com este nome, mas no conjunto de procedimentos que a caracterizam. Há o sentido de urgência, pois é um procedimento que ajuda no tratamento da transforia. Como não é um procedimento eletivo, o plano de saúde também deveria cobrir.

“Precisamos ter sensibilidade maior com questões relacionadas às minorias sexuais, que tanto sofrem nas filas de espera do SUS. Não existe razão para planos de saúde negarem o procedimento. Na seara jurídica, o julgador precisa se despir de preconceitos e entender a questão. Há uma frase do escritor Andrew Solomon que gosto muito: ‘Se tolerarmos o preconceito quanto a quadre grupo, vamos tolerar com todos. Estamos na mesma luta. Nossa liberdade é a mesma de todos’”, afirmou.

Fechando o painel, a acadêmica Luanna Marley de Oliveira e Silva apresentou um panorama sobre a questão da efetivação dos direitos LGBTI e seus desafios. Para a advogada, os direitos humanos estão dentro até de uma disputa semântica. “Quando disputamos o termo, disputamos também o projeto político de sociedade”, disse. “A partir de que olhar falamos dos direitos humanos e dos direitos LGBTI? São questões fundamenta para provar que a história não é linear, é uma espiral de acontecimentos.”

Outros pontos abordados pela pesquisadora incluem valores passados na infância, padrões culturais, racismo, machismo e capitalismo. “Temos que descolonizar nossos pensamentos”, conclamou. Ao falar sobre as escolas e o debate sobre a dita ideologia de gênero, lamentou uma retirada sistemática de direitos. Encerrando o painel, citou Bertold Brecht: “Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanidade, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar”.