O advogado Felipe Santa Cruz afirmou em seu discurso de posse como Presidente Nacional da OAB que a entidade renova nesta gestão o compromisso em defesa da Justiça e da paz social, atuando como um escudo da Democracia e da Constituição Federal. Ele assume a entidade pelos próximos três anos (2019-2021) defendendo o respeito às regras da Lei.
“Nossa trincheira sempre será a defesa da Justiça e da paz social e, por consequência, do bom debate que conduza a esses valores. Somos um escudo em defesa do interesse público, da Democracia e da Constituição Federal. Nossas armas são, tão somente, o diálogo, o respeito às divergências e às regras da Lei”, afirmou Felipe Santa Cruz.
Ele destacou ainda a importância da atuação dos advogados em defesa da Democracia e do ambiente onde a divergência possa ser claramente manifestada e respeitada. “Aprendemos a duras penas, com o custo de vidas, que nenhum direito está imune a violações abusivas e a práticas de arbítrio. Por isso, a atuação dos advogados e da OAB será sempre um atributo básico e fundamental em qualquer Democracia”, destacou o novo presidente da OAB.
Felipe Santa Cruz ressaltou também em seu discurso que é o primeiro filho de um desaparecido político a dirigir a entidade e que sabe da responsabilidade de ser o porta-voz de mais de um milhão de advogadas e advogados. “No momento do arbítrio, da violência e do silêncio, a Ordem esteve entre os que não calaram. E isso, por si só, já me faz seu devedor”, lembrou emocionado.
Santa Cruz garantiu ainda uma OAB forte, independente e aguerrida e saudou as novas diretorias nas Seccionais. “Tenho a alegria de dizer a todas e todos que nos honram com sua presença nessa noite que a nossa entidade continua forte e organizada, pronta para cumprir os desafios dos próximos anos, em um momento em que o país precisa de justiça, diálogo, paz social e estabilidade institucional”, disse Felipe Santa Cruz.
Confira abaixo a íntegra do discurso de Felipe Santa Cruz
Pela vontade da minha classe, pelo voto dos meus colegas, nos últimos 12 anos tive a honra de ser conselheiro Seccional, diretor do departamento de apoio às subseções, presidente da Caixa dos Advogados, duas vezes presidente da minha Seccional do Rio de Janeiro, conselheiro federal e, agora, no final dessa trajetória, chego à presidência nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.
Seria cabotino dizer que não me orgulho do sonho de menino que foi realizado. A Ordem é parte indissociável da minha vida, foram seus mitos históricos como Sobral Pinto e Modesto da Silveira, que protegeram meus parentes e a mim mesmo na terrível noite da ditadura. No momento do arbítrio, da violência e do silêncio a Ordem esteve entre os que não calaram e isso, por si só, já me faz seu eterno devedor.
Sim, sou com muito orgulho o primeiro filho de um desaparecido político a dirigir nossa gigantesca entidade e se eu e minha família lhe devemos muito, e por mais que eu faça, não poderei quitar tal dívida em sua inteireza. Faço dos meus dias o melhor que posso nessa tarefa.
Mas claro que, com o sonho realizado, vem a enorme responsabilidade. A responsabilidade e o desafio de presidir a Ordem dos Advogados do Brasil pelos próximos três anos. A responsabilidade de ser o porta-voz de mais de um milhão de advogadas e advogados que militam com esperança e fé em cada canto do nosso país.
Não há um manual individual para executar essa nobre e árida missão. Cada nova Gestão é, antes de tudo, herdeira de uma experiência histórica de lutas. Antes de mim, trinta e seis honrosos advogados ocuparam este assento de Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, liderando milhares de mulheres e homens que construíram uma história de coragem e luta cidadã.
Eu e minha diretoria assumimos agora esse leme com a dura missão de levar à frente esse legado. Cientes de que fomos escolhidos para representar um projeto coletivo em defesa da Advocacia.
No último mês, tive a oportunidade de percorrer o nosso país, participando de inúmeras solenidades de posse nas nossas seccionais. Em cada uma delas, constatei o esforço conjunto para construir uma advocacia mais fortalecida, mais independente e mais aguerrida. Tenho a alegria de dizer a todas e todos que nos honram com sua presença nessa noite que a nossa entidade continua forte e organizada, pronta para cumprir os desafios dos próximos anos, em um momento em que o país precisa de justiça, diálogo, paz social e estabilidade institucional.
O Brasil vive hoje, infelizmente, um preocupante quadro de intolerância que tem derivado para a violência. A expressão dessa violência ganhou dimensões alarmantes com o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes. Há cinco dias o crime completou um ano, a policial civil e o Ministério Público de meu estado, com nosso apoio, avançaram na investigação, agora o mundo aguarda a identificação do mandante ou dos mandantes desse crime bárbaro contra a democracia. O Mundo quer, exige e precisa saber quem matou Marielle Franco!
Destaco ainda, como parte desse ciclo de intolerância, o covarde atentado contra a vida do atual Presidente da República Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Algo inédito em nossa democracia.
É fundamental que exijamos a apuração rigorosa desses crimes odiosos, que atingem o próprio Estado Democrático de Direito. Expresso aqui a minha solidariedade a todas e todos que têm sofrido com essa situação dramática, que acompanhamos com preocupação.
O fato é que a violência não deve servir de oxigênio para a política. A linguagem do ódio asfixia o debate plural, fundamental em qualquer Democracia.
Nesse cenário de intransigência política, outro fenômeno igualmente grave tem se disseminado: as fake news e as milícias digitais que as utilizam como armas para calar o debate público, a livre circulação das ideias. A criação e a proliferação de notícias falsas envenenam o espaço público com ódio, medo e mentira. Elas têm o poder de destruir reputações, esgarçar os vínculos entre as pessoas, criar ficções que distorcem a realidade e afastam a sociedade da busca comum por uma convivência fraterna. Como nos disse Boaventura de Sousa Santos, trata-se da negação da Democracia, do diálogo e do reconhecimento do outro.
Esse contexto de crise evoca, de forma urgente, o cumprimento da nossa missão ancestral. Não se trata em absoluto de manifesto político, mas de afirmação institucional. O terreno da Ordem dos Advogados do Brasil não é a política, mas o Direito. Sem fugir à luta, com coragem, a OAB sempre honrou e sempre honrará o compromisso de proteger todos aqueles cujos direitos são aviltados.
Nossa trincheira sempre será a defesa da Justiça e da paz social e, por consequência, do bom debate que conduza a esses valores. Somos um escudo em defesa do interesse público, da Democracia e da Constituição Federal. Nossas armas são, tão somente, o diálogo, o respeito às divergências e às regras da Lei.
Ao longo de quase nove décadas, nossa Entidade protagonizou momentos marcantes da história nacional: duas Constituintes, o combate à Ditadura Militar, as Diretas Já, entre outros grandes movimentos. Demos voz a quem não tinha voz, demos voz aos anseios da sociedade pela redemocratização e por uma nova Constituição Federal.
Aprendemos a duras penas, com o custo de vidas, que nenhum direito está imune a violações abusivas e a práticas de arbítrio. O mal sempre pode renascer como ensinou o poeta Belchior. Por isso, a atuação dos advogados e da OAB será sempre um atributo básico e fundamental em qualquer Democracia.
O arbítrio odeia artistas, advogados, jornalistas e todo amante da liberdade. Conviver com o contraditório e participar de debates, respeitar o outro, respeitar o colega é do DNA da advocacia. É requisito obrigatório de todo advogado. Nossa profissão só viceja no solo fértil das liberdades.
Precisamos de um ambiente democrático onde a divergência possa ser claramente manifestada e respeitada. Só a Democracia nos permite, de forma pacífica e pactuada, a correção de erros e rumos do país. E aqui reafirmamos que nosso país só fez avançar na democracia, que sua defesa é a missão maior de nossa geração.
Por isso, como sempre estivemos, continuaremos atentos ao respeito e à garantia desses direitos nas relações entre o Estado e o cidadão, principalmente pela assimetria de forças ali existente. Por sermos advogados militantes não podemos aceitar o estado opressor, o processo unilateral, a verdade pré-concebida. Defendemos o império das leis e não das momentâneas e subjetivas paixões humanas. Acreditamos nas instituições.
Senhoras e senhores
A sociedade clama por mais políticas públicas! Por mais equilíbrio institucional - pelo retorno das instituições ao seu leito natural, ao seu devido papel constitucional.
O país precisa de paz e rotina para voltar a crescer e dar trabalho aos milhões de desempregados, hoje abandonados em nossas cidades. Não será através do histrionismo midiático das redes sociais que daremos de comer aos que clamam por trabalho e oportunidade. Há que se descer do palco das falsas polêmicas e voltar nossas energias para a construção e aperfeiçoamento das ideias e iniciativas, não para sua destruição.
Não há desenvolvimento sem respeito a contratos! Não há investimento estrangeiro direto sem segurança jurídica! Não há ambiente de negócios saudável sem previsibilidade e jurisprudência clara e bem definida.
A defesa da segurança jurídica e a busca da criação de regras inteligíveis e diretas é prioridade da nossa gestão. Os advogados conhecem como ninguém o cipoal que é a burocracia brasileira e é mentira que vivam dele. Advocacia é profissão majoritariamente privada e depende de crescimento e vida econômica ativa para sobreviver.
A esfera pública brasileira está financeiramente esgotada com afirmam nossos governantes. Então, que possamos liberar as forças empreendedoras dos nosso país, criar oportunidades, protegendo os que realmente precisam do manto do Estado.
Nesse sentido, a OAB nunca será adversária de reformas estruturantes para recolocar o país no trilho do crescimento.
Necessitamos de reformas que, de fato, democratizem e modernizem o país, tornando-o mais justo, mais eficiente e mais competitivo no mercado internacional. Agora, devem ser Reformas que realmente libertem as forças criativas da sociedade e não meramente aniquilem direitos sociais conquistados a duras penas e agudizem ainda mais a miséria e a concentração de renda.
Reformar começando pela extinção dos direitos dos mais pobres é tributo ao país do passado, escravocrata e desigual como poucos no mundo. Reformar, em país com trabalho escravo, acabando com a Justiça do Trabalho é seguir a lógica do senhor feudal.
Não é aceitável tirar de quem não tem para dar, para dar a quem não precisa.
Queremos, junto com a sociedade civil, amadurecer o debate a respeito das profundas mudanças em legislações que foram consolidadas ao longo de décadas. Sem dogmas, mas sem açodamentos.
Iremos debater, de forma técnica e sob a ótica do interesse coletivo, a Reforma da Previdência, a Reforma Tributária e o Pacote Anticrime.
Iremos discutir e modestamente contribuir com todas as propostas que combatam privilégios e protejam os mais necessitados. Esse debate deve conduzir a um novo contrato social capaz de assegurar o crescimento com estabilidade — com o devido respeito aos ditames constitucionais.
É hora de a sociedade civil organizada atuar de forma contundente para assegurar ao país a necessária segurança institucional. E para isso cabe refletir sobre o que faz um país ser democrático e que princípios devem nos guiar:
Não há Democracia sem a capacidade de dar aos homens e às mulheres a liberdade para produzir. A livre iniciativa deve ser fortalecida! Precisamos incentivar os mais altos níveis de ética, transparência e probidade nos contratos entre empresas e órgãos públicos.
Não há Democracia sem o alinhamento do crescimento econômico à preservação do Meio Ambiente. Destruir nosso patrimônio natural é a mais tola solução que se poderia dar aos desafios do momento. Crescimento sem preservação do meio ambiente não é crescimento, é retrocesso!
Não há Democracia sem a liberdade de imprensa. A manutenção da Democracia só é possível com a possibilidade de a mídia atuar livremente – sem pressões econômicas ou políticas. Cientes disso, criamos, logo no início da nossa Gestão, o Observatório Permanente de Liberdade de Imprensa, que atuará na defesa do pleno exercício do jornalismo e da livre expressão do cidadão brasileiro.
E não há, senhoras e senhores, sociedade civil organizada sem conselhos profissionais representativos e estruturados. Não aceitaremos tutela ou ataques à representação dos advogados e de quaisquer outros estratos da sociedade. Não aceitaremos a destruição da representação das forças sociais, seja de trabalhadores ou de empresários.
Não há Democracia sem diversidade! Precisamos escutar todas as vozes, outras vozes, em pé de igualdade. A Ordem é e sempre será sob nossa gestão intransigente defensora das minorias.
O império da lei e não das paixões dos homens deve existir exatamente para proteger quem precisa. Não é possível construir uma sociedade sem a igualdade que só existe quando protegidos em primeiro lugar os que sofrem as violências da pobreza e do preconceito. Os que por sua raça, credo, gênero, orientação sexual seguem perseguidos pela intolerância.
Enfatizo, ainda, que não há democracia sem a defesa dos direitos do advogado. O principal beneficiário da proteção das prerrogativas da advocacia é o cidadão. Afinal, o advogado é o seu porta-voz. Se, no exercício dessa função, seus direitos e prerrogativas profissionais são atacados, é o cidadão quem sofre. Na maioria das vezes os violadores das garantias da advocacia são exatamente agentes públicos cuja atribuição profissional é, ao contrário, resguardar tais direitos.
Apesar das conquistas de décadas, o exercício da nossa função nunca foi tão desafiador e tão complexo. A liberdade do nosso exercício profissional é condição essencial para a garantia de direitos fundamentais, como a ampla defesa e o contraditório. O devido cumprimento desses direitos é primordial para o acesso à Justiça no Brasil.
Hoje, mais de 1 milhão de advogadas e advogados em todo o Brasil tentam se equilibrar em meio a uma recuperação econômica lenta e o sucateamento da mão de obra qualificada. Basta andar nas ruas do país para saber que o povo brasileiro clama por justiça, e a Advocacia Brasileira nunca traiu seu compromisso nessa busca.
Diante dessa realidade, a Ordem dos Advogados do Brasil, mais do que nunca, olha para os seus.
Seguiremos atuando em prol do respeito irrestrito às prerrogativas profissionais da advocacia. A luta de cada advogado deste país é a luta da Ordem!
Permitam-me, por fim, uma nota de agradecimento pessoal. Aos que tenho que deixar ainda de madrugada no trabalho pela Ordem. Meus 4 filhos - Lucas, Beatriz, Maria Eduarda e João Felipe - que são minha razão maior não só de trabalhar, mas de sonhar, e há que se sonhar sempre, com um Brasil e um mundo melhor. Se não para nós, mas para nossos filhos e netos.
Aos meus tios e tias, que abraço na pessoa do militante incansável dos direitos humanos que é Marcelo Santa Cruz. Aos meus avós, aqui presentes na pessoa da minha querida avó Helenita.
Aos meus pais Ana, Fernando e Eduardo. Que ensinaram a esse carioca-pernambucano-gaúcho, judeu/católico, que nosso fracasso verdadeiro é não sermos parte do sonho uma vida melhor para todos. A solidariedade foi minha foi minha maior herança. Muito Obrigado.
E, por fim, a Daniela. Luz da minha vida. Que com trabalho e infinita paciência todo dia tenta fazer do garoto falante e sonhador que conheceu na faculdade o homem que existe em seus olhos e em seu coração. Já lhe disse e aqui repito que sem você, nada faria sentido, pois você é meu caminho.
Encerro reafirmando que compreendemos que a função da Ordem nessa quadra histórica é ajudar a criar, no mundo do Direito, um ambiente capaz de produzir discussões técnicas que garantam o exercício livre da defesa, a proteção das minorias e a evolução democrática da nossa pátria. Seguiremos trabalhando em favor da plenitude da Justiça e do regime democrático. Para isso, construiremos uma gestão horizontal e participativa.
A OAB é a Casa do Advogado, onde residem os interesses da sociedade brasileira. A experiência histórica acumulada por essa entidade não nos permite aceitar retrocessos em relação a direitos e garantias fundamentais.
Como escreveu João Guimarães Rosa, “O real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia…”. Nessa travessia, precisamos da unidade em torno de um projeto de nação que seja mais plural e abrangente: onde não haja lugar para ódio, retrocesso ou violência.
Que esse caminho nos leve a uma advocacia cada dia mais fortalecida. E a um país de Democracia consolidada.
Em apenas 45 dias de gestão já enfrentamos o ódio que essas ideias tão simples de solidariedade e democracia contidas nesse pequeno discurso causam. Sinceramente só reforçam em mim os meus compromissos de minha vida. Todo dia, mesmo quando vilmente atacado, lembro de minha velha avó Elzita Santa Cruz, hoje com 104 anos em sua amada Olinda.
Lá, naquela terra de fortes, há uma pequena rua onde moraram os Santa Cruz durante décadas. No fim dessa rua, não por acaso para mim, há uma linda estátua à beira do mar de Pernambuco.
É a homenagem do povo da cidade ao seu amado filho, Marcos Freire. Um herói de outros tempos de angústia e dor. Homem que lutou o bom combate. E gravada na pedra a frase simples e direta que aprendi na infância e me serve de lema diante dos desafios da vida:
SEM ÓDIO E SEM MEDO!
Sigamos assim, em busca de dias melhores para nossa classe e para o nosso povo.
Muito Obrigado!