A OAB realizou na noite desta terça-feira (28) o Debate Sobre a Violência Obstétrica. O ato foi promovido por meio da Comissão Nacional da Mulher Advogada e da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde. O debate foi parte dos atos em homenagem ao Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e o Dia Nacional de Luta pela Redução da Mortalidade Materna.
“Saio daqui uma pessoa melhor. Com um pouco mais de conhecimento, esperança e vontade de colocar o meu conhecimento a serviço das mulheres. A violência obstétrica existe sim. Pediria às pessoas que se sentiram melindradas pelo termo que se tornem guardiãs da tranquilidade que a mulher precisa durante o parto e não se melindrem, tornem-se vigilantes”, disse a presidente da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde, Sandra Albuquerque Dino.
“Estamos ainda engatinhando nesse assunto. Temos muito para saber e para conhecer e conscientizar. Por isso, gostaríamos de reunir diferentes setores, cada um no seu papel, para que conversemos em nossas rodas sociais, nas faculdades e com nossos médicos sobre esse assunto. A partir da desmistificação do tema e da conscientização sobre a existência do problema faremos a diferença”, acrescentou Sandra.
Ariana Garcia do Nascimento Teles, membro consultora da Comissão Nacional da Mulher Advogada, representou a presidente da comissão, Daniela Borges, no evento. “É sempre uma satisfação ter eventos que tragam à tona os assuntos mais inerentes da nossa condição feminina. A violência obstétrica já é por si só um assunto de muita relevância e em função de todos os últimos acontecimentos, como a subtração do uso do termo (de políticas e normas públicas) por uma resolução (do governo), tornou-se ainda importante debater o tema. O Conselho Federal decidiu promover este debate de forma propositiva, trazendo visibilidade e esclarecimentos, o que é muito importante nesse contexto”, declarou ela.
A médica e acadêmica Daphne Rattner fez apresentação detalhada em diversos aspectos do assunto com a palestra “Por que a atenção ao parto deve ser humanizada?”. “Queria agradecer muito essa oportunidade de estar na OAB. Para nós do movimento pela humanização do parto e nascimento essa é uma oportunidade rara. Trabalhamos muito dentro do sistema de saúde buscando mudar as coisas por dentro. De repente, descobrimos parceiros que vem se aliar a nós na área do direito e a gente começa a perceber o potencial dessa parceria”, disse ela.
Alessandra Arrais, psicóloga hospitalar, falou sobre a relação entre violência obstétrica e depressão pós-parto. Ela trabalha no âmbito da secretaria de saúde do Distrito Federal no Programa de interrupção gestacional prevista em lei. “Só atuo com mulheres que engravidaram de um estupro”, explicou ela. “Uma gestante vítima de estupro está mais vulnerável do que qualquer outra, especialmente em procedimentos de interrupção da gestação ou mesmo no parto, seja da entrega do bebê para adoção, seja para ficar com a criança. Então é algo com o qual me deparo todos os dias. Essa temática da violência atravessa meu dia-a-dia”, disse ela.
Segundo ela, a psicologia tem uma visão diversa da medicina a respeito do puerpério, não se resumindo ao período imediatamente pós-parto, mas abrangendo todo o primeiro ano após o nascimento. “É um período de grande vulnerabilidade psíquica, um terreno muito fértil para a ocorrência de crises, devido às profundas mudanças intra e interpessoais desencadeadas por questões orgânicas, psicológicas e sociais. Então este é um momento muito delicado, de maior risco psíquico para uma mulher”, acrescentou a Alessandra.
Luciana Loureiro, procuradora da República na área de tutela dos direitos difusos e coletivos com destaque nas áreas de saúde e educação, falou a respeito da experiência do Ministério Público Federal com a violência obstétrica e possibilidades de atuação no tema. “É uma satisfação que a OAB também se engaje nessa luta de promoção dos direitos das mulheres e de combate à violência obstétrica, que é um tema que precisa ser cada vez mais falado porque uma das ferramentas mais importantes de luta contra a violência obstétrica é pelo oferecimento de informação”, declarou ela. “A violência obstétrica é uma violência contra a mulher, é uma violência de gênero. A gente precisa fazer esse recorte para entender que não é algo que ocorre somente no serviço de saúde e por profissionais da saúde. É algo que acontece na sociedade”, afirmou Luciana.
Valéria Eunice Machado secretária-geral da comissão especial de valorização da mulher advogada da OAB-GO e membro da comissão de direito médico e defesa da saúde da OAB-GO também criticou a posição do Ministério da Saúde em orientar pela retirada da do termo violência obstétrica das políticas e normas públicas.
“Temos de dar nomes aos bois. Temos de entender que, como qualquer paciente, a gestante tem certos direitos e a violência ocorre especialmente com a mulher por uma questão de gênero. Acontece em função da extrema vulnerabilidade pela condição de gestante. Tem algo errado. Estamos falando sim de ato discriminatório, não podemos esquecer isso. Não podemos deixar de nomear isto como violência obstétrica. Não podemos rechaçar todo o conteúdo já produzido nessa temática de violência obstétrica. Por isso a OAB já fez uma nota de repúdio a respeito do despacho do ministério da saúde”, afirmou ela. “O Ministério da Saúde, que é um órgão que deveria fazer políticas públicas baseadas em dados e evidências científicas, está, ao fazer um despacho como esse, rechaçando e censurando todas as evidências científicas produzidas até hoje sobre o tema. Não se faz política pública sem dados”, disse a advogada.
Dulcielly Nóbrega de Almeida, defensora pública do Distrito federal e coordenadora do Núcleo de promoção e defesa dos direitos da mulher da defensoria pública, falou sobre o direito das mulheres, a violência obstétrica e plano de parto. “Temos hoje normas que reconhecem como direito da mulher o atendimento justo e humanizado desde a gestação até o nascimento da criança, pautado na autonomia da mulher”, explicou ela, que durante sua palestra fez uma análise da situação das mulheres negras. “Se fizermos um recorte racial, essa realidade é mais perversa ainda com as mulheres negras. Historicamente as mulheres negras são consideradas fortes e resistentes a dor e em função desse pensamento a elas não são oferecidas analgesias, por exemplo. Além disso, o corpo da mulher negra é menos tocado nos exames médicos”, criticou ela.