Nota do Observatório da Liberdade de Imprensa

O Observatório da Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da OAB se solidariza com a campanha de valorização dos jornalistas brasileiros. Neste momento sensível em que a sociedade se vê assolada por uma pandemia, a difusão de informações de qualidade é fundamental para orientar condutas, garantir políticas públicas adequadas e para salvar vidas.

A imprensa forte e independente é fundamental para o exercício da cidadania. E a matéria prima dessa força são os profissionais do jornalismo, aos quais devem ser garantidas condições materiais para que continuem a dedicar seu tempo à notícia e à informação, sem as quais não há democracia nem transparência.

OAB vai ao STF contra solicitação do IBGE para obter dados dos usuários de telefonia

A OAB Nacional ingressou, na noite desta quinta-feira (23), no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de concessão antecipada do provimento cautelar no sentido da suspensão integral da Medida Provisória 954/2020, diante do iminente risco de perda do objeto. A Ordem tomou conhecimento de que o IBGE tem contatado as operadoras de telefonia às pressas com o objetivo de obter os dados dos usuários brasileiros antes que o STF se pronuncie sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6387), de autoria da OAB, que busca suspender imediatamente a eficácia da integralidade da MP.

Segundo a própria MP, as operadoras teriam até o dia 24 de abril como prazo antes de enviar quaisquer dados. Além disso, o STF havia aberto período para que o governo explicasse a medida. "A conduta do IBGE de dar seguimento aos atos de implementação da MP 954/2020 para oficiar diretamente as operadoras de telefonia fixa e móvel desautoriza a manifestação prévia desse egrégio Supremo Tribunal Federal, que concedeu prazo de 48h para a explicação do governo, e ameaça esvaziar o pedido liminar, diante da possível perda de objeto. Nenhuma conduta que possa voluntariamente por em risco a efetividade do exercício da jurisdição constitucional deve ser admitida", diz o pedido da OAB.

No documento enviado ao STF, a OAB alerta para o "iminente risco de perda do objeto e de desrespeito ao procedimento adotado" pela Suprema Corte. O Ordem pede também que "até a apreciação da medida cautelar por parte da ministra relatora Rosa Weber, o IBGE se abstenha de requerer o compartilhamento de dados pessoais para as operadoras de telefonia fixa e móvel e estejam as referidas operadoras desobrigadas de prestar tais informações".

Confira aqui a íntegra do documento enviado pela OAB ao STF

Artigo: “O direito, a advocacia e a reconstrução da economia”, por Lúcio Flávio de Paiva

O direito, a advocacia e a reconstrução da economia*

Com cautela, mas com coragem! É com essa frase que tenho me expressado aos colegas advogados, aos clientes e às autoridades quando abordado sobre a crise do coronavírus. Conquanto haja os pessimistas de plantão, vejo que a poeira está baixando e que já podemos enxergar o futuro com bons olhos. Cautela, sim e ainda, pois o vírus está entre nós e é perigoso; mas passa da hora de superar o discurso negativo – e diário, e repetitivo - de terra arrasada, de fechamento de comércios e outras atividades, de proibições mil; é hora de coragem para erguer o olhare projetar a reconstrução de nossa economia e de nossa sociedade.

E essa reconstrução passa, invariavelmente, pela atuação do Direito e, claro, dos profissionais que o operam. Talvez nunca na história recente advogados tenham sido chamados a exercer papel tão fundamental quanto agora. Sim, pois a retomada da atividade econômica demandará a renegociação de incontáveis vínculos contratuais que foram afetados pela pandemia do coronavírus, autêntica hipótese de caso fortuito e força maior a certamente ingressar, em todos os livros de direito civil, como exemplo vivo dessa causa resolutiva e de exclusão da responsabilidade pelo inadimplemento da obrigação.

Os contratos estão, para a economia, como o sangue está para a manutenção da vida: ao fazerem circular a riqueza, os contratos oxigenam a dinâmica econômica; aos movimentos coronários de sístole e diástole correspondem o adimplemento das obrigações e a extinção dos contratos, que dão início a novos vínculos contratuais que, qual vasos comunicantes, fazem a roda da economia girar – e respirar. Vez ou outra, ocorre a patologia denominada inadimplemento ou descumprimento da obrigação, a demandar, pontualmente, uma cirurgia jurídica, via execução específica, indenização ou – causa extrema! – o desfazimento do contrato.

O que vivemos, porém, é situação inédita: a pandemia do coronavírus não acarretou uma patologia pontual, circunscrita a esse ou aquele contrato; acarretou a paralisação do sistema como um todo: estamos em parada cardiorrespiratória. Urge retomar a circulação de riquezas via cumprimento, dentro do possível, das obrigações de parte a parte.

Eis aí a função do Direito e da advocacia: viabilizar imediatamente essa retomada.

O Direito positivo traz, basicamente, três soluções para situações como a que vivemos. A parte inocente, ou seja, aquela que sofre com o inadimplemento da parte contrária, poderá em juízo postular: (i) a execução do contrato para obter a tutela específica da obrigação (qual seja, o fazer, o não fazer ou o pagamento de quantia ou entrega da coisa); (ii) a indenização pelos prejuízos causados por esse inadimplemento; ou, por fim, (iii) a resolução do contrato.

Em termos gerais, o caso fortuito e força maior excluem o dever de indenizar, mas autorizam, ainda assim, a resolução do contrato.

Ocorre que essas soluções previstas em lei bem se amoldam a situações pontuais, em que um contrato ou outro são descumpridos. Foi para isso que elas foram concebidas. Ocorre que a riqueza da vida não cabe na pobreza dos códigos e o problema com a pandemia do coronavírus é que os inadimplementos atingem praticamente todos os contratos e, como é lógico, acabam por gerar efeito dominó: o locador não recebe seu aluguel e, por isso, não tem dinheiro para pagar a mensalidade da escola que, então, não tem como pagar o salário do professor que, também não tem como pagar o próprio aluguel, e assim por diante... os inadimplementos sucessivos, ao final e ao cabo, fazem colapsar o sistema. As soluções legais ordinariamente previstas em lei não parecem aptas a resolver o problema.

Aí deve se agigantar a advocacia, que com criatividade e boa técnica, tem em suas mãos a oportunidade de realizar um grande trabalho nesse quadro de inadimplemento sistêmico. A melhor solução, sem dúvida, é a (re)negociação, forma única de recompor as bases contratuais seriamente abaladas ou mesmo destruídas pela pandemia vivida. E ninguém melhor que os advogados das partes contratantes para buscarem essa composição.

Quer nos parecer que a judicialização não é, num primeiro momento, o melhor caminho. Primeiro, por transferir a um terceiro – o juiz – a tarefa de encontrar a solução equânime para cada caso, o que as partes interessadas têm melhores condições de fazer; segundo, por esbarrar nos conhecidos problemas do alto custo de acesso à justiça e demora na solução definitiva dos litígios. Ao Judiciário e aos juízes, somente as situações insolúveis e que envolvam direitos indisponíveis. Nos demais casos, a composição entre as partes é caminho a ser trilhado.

O momento que se apresenta permite à advocacia romper com o modelo de litígio, em que os advogados se veem como adversários, para um modelo de trabalho em conjunto, no qual a minoração dos prejuízos e a manutenção do vínculo contratual é a grande vitória. Os advogados, colegas de profissão, assumem nesse contexto uma posição de parceiros e colaboradores; devem conversar entre si de maneira transparente e honesta, cooperar e encontrar a solução finamente calibrada para cada caso.

Haverá, claro, situações em que nem mesmo o diálogo aberto e cooperativo se mostrará efetivo. Em casos tais, ainda assim a solução está na própria advocacia: seria o caso de lançar mão de um terceiro advogado, um colega de confiança de ambos os profissionais, para realizar uma arbitragem – claro, com força decisória vinculante - que busque manter, de forma equânime e técnica, o equilíbrio do contrato e a recomposição de suas bases negociais. Aqui, novamente, a figura da cooperação entre advogados surge como peça primordial na solução do problema.

Em suma: a crise, ao tempo que a todos prejudica, também abre uma janela de oportunidade enorme para os advogados, que a um só tempo podem conceber novas oportunidades de trabalho e cooperar para a retomada da vida econômica e para a reconstrução de nossa sociedade.

Mãos à obra!

E como sempre digo: com cautela, mas com coragem!

 

*Lúcio Flávio de Paiva, presidente da OAB-GO

 

 

 

 

OAB requer ao CNJ participação nas tratativas para definição de plataformas eletrônicas para atos judiciais

A OAB Nacional encaminhou ofício, nesta quinta-feira (23), ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para solicitar a participação efetiva da Ordem nas tratativas para definir as plataformas eletrônicas que serão utilizadas para a produção de atos judiciais, assim como a edição de recomendação para os tribunais adotem a mesma medida.

A OAB reconhece os esforços pela retomada da adequada prestação jurisdicional em razão da crise gerada pela pandemia, mas ressalta o objetivo de buscar uma padronização nacional com a adoção de uma plataforma tecnológica comum para a realização de audiências (art. 334, § 7º, CPC), sessões de julgamento e sustentação oral. A OAB destaca que sempre deve ser facultado ao advogado a concordância ou não da realização desses atos em meio virtual.

No ofício, o Comitê de Crise Covid-19 da OAB Nacional sugere a adoção da “Plataforma Emergencial de Videoconferência para Atos Processuais”, que foi disponibilizada por meio de acordo de cooperação técnica com O CNJ, sem ônus e com prazo de validade de acordo com o tempo de duração da pandemia.

“As dificuldades experimentadas na transição do processo físico para o eletrônico podem e devem orientar a fase tecnológica que ora se instala. A título de exemplo, milhares de profissionais da advocacia não dispõem de equipamentos dotados de webcam, microfone ou conexão eficiente com a internet para participação em atos telepresenciais, sobretudo em suas residências, tendo em vista as recomendações de isolamento social que têm resultado no exercício profissional em regime de home office”, aponta trecho do ofício.

Confira a íntegra do Ofício

OAB solicita uso do parlatório virtual no Sistema Penitenciário Federal

A OAB Nacional encaminhou, nesta quinta-feira (23), comunicação ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) com sugestões sobre o uso de meios eletrônicos e tecnológicos para assegurar a comunicação, de forma regular, entre os custodiados do Sistema Penitenciário Federal e os advogados. A Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas está à frente da ação.

A Ordem explica que tem recebido reclamações dos defensores acerca da renovação da suspensão de acesso e atendimento aos clientes custodiados do Sistema Penitenciário Federal, pelo prazo de 30 dias, sendo necessária a implementação de rotas alternativas para garantir a comunicação entre os presos e os advogados.

A OAB reitera o entendimento da posição adotada no momento, com objetivo de prevenir e reduzir o impacto da pandemia do Covid-19 sobre o ambiente prisional, cujas condições sanitárias estão longe do ideal. No entanto, em que pese a justificativa do ponto de vista da saúde, a medida não se processa plenamente sob a ótica das garantias e direitos fundamentais do preso.

“Em um país em que inúmeros presos ainda aguardam julgamento, a comunicação com o defensor é essencial na salvaguarda de direitos e para que o contraditório e a ampla defesa sejam respeitados. E mais do que isso, a comunicação dos presos com seus advogados também representa o contato, ainda que indireto, com seus familiares e entes queridos, enquanto o isolamento perdurar”, afirma a OAB.

A Ordem sugere ao MJSP o uso de parlatório virtual, que tem sido realizado com êxito em presídios de Estados e do Distrito Federal, ou mesmo a concessão de acesso presencial a advogados e parentes testados, cuja situação de saúde demonstre a inexistência de risco aos demais custodiados.

“Mesmo diante da gravidade da pandemia, dos efeitos complexos que a sociedade tem enfrentado e está por enfrentar, a comunicação entre o preso e o advogado deve ser respeitada e garantida, sobretudo se o uso de meios tecnológicos, como o parlatório virtual, a viabilizam”, defende a Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas.

Confira aqui a íntegra do Ofício

OAB solicita a ministérios apoio na implementação de educação a distância

A OAB Nacional encaminhou ofícios, nesta quinta-feira (23), ao ministério da Educação, ao Conselho Nacional de Educação e ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações solicitando a atuação do Governo Federal no apoio aos Estados e municípios na utilização de sistemas de educação a distância como substitutivos das aulas presenciais.

A solicitação segue a orientação da Comissão Especial de Direito a Educação da OAB Nacional, considerando que as medidas de isolamento social impuseram a suspensão das aulas do ensino básico, médio e superior no país. A OAB pede que os órgãos federais realizem a interlocução com os conselhos estaduais de educação para promover a adaptação do uso da tecnologia no âmbito do ensino básico, médio e superior.

Ao ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, a OAB solicita ainda a atuação da pasta no sentido de estimular a divulgação dos canais oficiais utilizados para programação educacional, ampliando o tempo de sua exibição, para possibilitar o conhecimento de alunos e professores a respeito da adaptação da mediação tecnológica.

“É cediço que cabe aos Estados, Distrito Federal e municípios proceder ao ensino a distância, por meio de sua estrutura e de seus professores. Ademais, o currículo básico implantado pelo Governo Federal influenciou a organização didático pedagógica, sendo também uma responsabilidade da União a sua implementação. Em discussão, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação defende que, caso seja feito o uso da modalidade de educação a distância como substitutiva às aulas presenciais, sejam garantidos suporte tecnológico, metodológico e de formação dos professores, por parte da União e dos governos estaduais às redes municipais”, afirma um trecho dos ofícios encaminhados ao órgãos federais.

Confira aqui o ofício enviado ao Ministério da Educação

Confira aqui o ofício enviado ao Conselho Nacional de Educação

Confira aqui o ofício enviado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações

Resolução institui sessão virtual para julgar processos administrativos no âmbito do Conselho Federal

A OAB Nacional publicou, nesta quinta-feira (23), resolução que modifica o regulamento geral do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/94) para instituir a sessão virtual para julgamento dos processos administrativos no âmbito do Conselho Federal. A mudança leva em consideração a evolução da pandemia do coronavírus e a necessária adoção de medidas de contenção, prevenção e redução dos riscos de disseminação e contágio da Covid-19.

A resolução acrescenta o artigo 97-A ao Estatuto da Advocacia e da OAB. A OAB pondera que a pandemia em curso "alterou as rotinas institucionais, impondo iniciativas que promovam o processamento e julgamento dos processos administrativos que tramitam nos órgãos colegiados da entidade, observando-se o direito à razoável duração do processo e o princípio da eficiência, previstos no artigo 5º, inciso LXXVIII, e no artigo 37 da Constituição da República, respectivamente".

Confira aqui a íntegra da resolução 19/2020 e a redação do novo artigo

OAB é contrária à decisão do Depen de colocar presos doentes ou de risco em contêineres

A OAB Nacional remeteu um ofício ao diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Fabiano Bordignon, comunicando a posição contrária da Ordem ao uso de contêineres para prover vagas temporárias e emergenciais para detentos que apresentem doença, situação de risco ou outras complicações no âmbito da pandemia do novo coronavírus. A decisão do Depen foi publicada no Ofício n. 806/2020/GAB-DEPEN/DEPEN/MJ, dirigido ao Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

“Além da evidente inadequação de tratamento, a iniciativa conflita com decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, consubstanciada em resolução de 25/02/2011”, diz um trecho do documento da OAB, ao qual foi anexada a referida decisão, que, por sua vez, condena o Brasil pelo uso da referida modalidade como prisão, no Espírito Santo.

Para a OAB, isolar os presos doentes ou em situação de risco em contêineres é uma solução “absolutamente incabível e inapropriada”, mesmo sendo “temporária e emergencialmente alvitrada para o enfrentamento da pandemia em curso, requerendo que seja declinada a ideia de análise e deliberação quanto à edição de resolução sobre a matéria”.

Confira a íntegra do Ofício

Confira a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos


Gestão de Crise na Advocacia é tema de webinar da OAB

A Comissão Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação da OAB Nacional organizou uma videoconferência sobre Gestão de Crise na Advocacia que acontecerá no dia 30 de abril, de 16 às 18 horas, nas plataformas Zoom e YouTube. Para participar não é necessária inscrição. É só acessar o canal OAB Nacional no YouTube no dia e horário marcados para a webinar.

A partir da alteração da rotina da advocacia provocada pela pandemia do novo coronavírus, serão tratados temas como o judiciário online, retorno dos prazos eletrônicos, relacionamento com clientes e equipes, o trabalho em home office e o impacto da publicidade para a advocacia no pós-covid, entre outros.

A presidente da comissão, Lara Selem, disse que o objetivo do evento é “trazer uma discussão, um bom senso, algumas ponderações, por que nós temos 1,2 milhão de advogados em situações diversas e não temos uma solução de 100% dos problemas. Queremos olhar vários ângulos até mesmo para auxiliar na tomada de decisões”.

Participam como convidados da videoconferência o vice-presidente da OAB Nacional, Luiz Viana, e o secretário-geral adjunto do Conselho Federal, Ary Raghiant Neto, o presidente da AASP, Renato José Cury, além de representantes das comissões nacionais da Mulher, Jovem Advocacia, Sociedade de Advogados e de Gestão Empreendedorismo e Inovação.

Confira a programação do evento

 

 

 

 

 

 

 

Artigo: “O necessário apaziguamento de conflitos federativos”, por Felipe Santa Cruz e Ophir Cavalcante

O necessário apaziguamento de conflitos federativos*

No meio jurídico nacional, importantes questionamentos têm surgido, inclusive com ajuizamento de várias medidas judiciais, sobre os limites e o alcance das atuações federativas da União, de Estados-membros, Distrito Federal e Municípios na adoção de medidas emergenciais diante de quadro de pandemia da covid-19.

Neste contexto, a Comissão Especial de Defesa da Federação da OAB oferece sua contribuição para o debate em torno do pacto federativo na Constituição de 1988, com vistas a estudar moldura interpretativa das competências constitucionais distribuídas pelo Poder Constituinte originário a partir do critério da predominância do interesse, preconizado pela doutrina constitucional brasileira contemporânea.

A pandemia provocada pela disseminação do coronavírus levou a Organização Mundial da Saúde a declarar estado de emergência de saúde internacional, ao que se seguiu ato do Ministério da Saúde brasileiro no mesmo sentido, tendo o Congresso reconhecido o estado de calamidade pública.

Mais não é preciso dizer para concluir que a Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, em sua concepção geral, encontra-se plenamente amparada na Constituição Federal, tendo sido complementada pelas Medidas Provisórias 926 e 927, de 20 e 22 de março, respectivamente.

Por meio dela, buscou-se estruturar um elenco de medidas de natureza sanitária, preordenadas ao enfrentamento da situação emergencial, atribuindo-se à União o papel que somente uma entidade com poder de mando sobre todo o território nacional poderia exercer, na articulação e coordenação das ações cabíveis, sejam elas normativas ou administrativas.

Para evitar ações contraditórias, desarticuladas ou prejudiciais sob o prisma sanitário, por parte das entidades federativas e respectivos governos (inclusive o da própria União), o legislador arrolou o elenco de medidas que podem ser adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde pública, legitimando o isolamento, a quarentena, a realização compulsória de exames, testes, coletas, vacinação e tratamentos, a adoção de restrições ao deslocamento de pessoas e cargas pelo território nacional, a requisição de bens e a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na ANVISA.

O pressuposto fundamental de todas elas foi estabelecido, com muita propriedade e precisão, no § 1º, do artigo 3º, da Lei Federal nº 13.979/20, que as condiciona à existência de explícita motivação, fundada em “evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde”, devendo, ademais, serem “limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”.

Sob a inspiração da racionalidade técnica e das melhores práticas de gestão e articulação de ações sanitárias, foram estabelecidas as autoridades competentes para a adoção das providências emergenciais listadas nos incisos do artigo 3º da LF nº  13.979/20, tendo presente o disposto nos artigos 23, inciso II, 198 e 200, inciso II, da Constituição Federal, que consideram de competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios as ações e serviços de saúde, integrando-as em um sistema único (SUS), ao qual, dentre outras atribuições, compete “executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica”.

Esse reconhecimento do importante papel a ser desempenhado por Estados, Distrito Federal e Municípios no combate à pandemia valeu menção no texto das decisões monocráticas dos Ministros Marco Aurélio (ADI nº 6.341/DF) e Alexandre de Moraes (ADPF 672/DF), que, em sede cautelar, mantiveram  incólumes as normas da Lei Federal nº 13.979/20, ressaltando a necessidade de se respeitarem as competências de cada um dos entes federados, observadas  as diretrizes do SUS.

As circunstâncias atuais representam o mais difícil teste de operabilidade já apresentado ao desenho federativo, presentes ainda os valores essenciais do Estado de Direito e da democracia. E é exatamente, como ressaltou o Ministro Alexandre de Moraes, por isso que “em momentos de acentuada crise, o fortalecimento da união e a ampliação de cooperação entre os três poderes, no âmbito de todos os entes federativos, são instrumentos essenciais e imprescindíveis a serem utilizados pelas diversas lideranças em defesa do interesse público, sempre com o absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da harmonia e independência entre os poderes” (ADPF  672).

A solidariedade, a busca do consenso, a ponderação, a cautela, a responsabilidade, o foco, a valorização da ação em detrimento da omissão e a suspensão de outros objetivos distintos da superação do momento crítico precisam estar presentes a cada passo. A união de forças dos entes federativos é absolutamente imprescindível para que o país atravesse a situação atual com o menor dano humano, social e econômico possível.

Deve ser ressalvado que não há respostas antecipadas para todos os possíveis conflitos federativos que a pandemia pode trazer. Pode-se sugerir, contudo, que a análise jurídica de cada situação leve em conta, como vetores de interpretação, o conceito essencial de que o Estado Brasileiro está organizado como uma federação cooperativa e a ideia de essencialidade da proteção à saúde. Assim, o exercício das competências atribuídas aos diversos entes deve observar a imprescindibilidade de amparo técnico-científico para qualquer deliberação e a inexistência de relação hierárquica propriamente dita entre os integrantes da Federação.

Ganha realce, dessa forma, a necessária valorização das competências que, à luz do critério da predominância do interesse, foram reservadas ao campo de atuação tipicamente regional (Estados) e local (Municípios), devendo ser proposto o abandono de qualquer tendência centralizadora na esfera da União (interesse nacional), passando-se a adotar – para o fortalecimento do federalismo democrático – uma opção hermenêutica que promova a atuação cooperativa de todos os membros da Federação Brasileira.

Isso nos leva a traçar as seguintes diretivas em relação aos conflitos competenciais que a atuação das entidades federadas e respectivos governos na atual quadra emergencial vem suscitando:

- os Estados, o DF e os Municípios podem, dentre outras medidas, decretar o isolamento ou a quarentena de pessoas, porém observados os parâmetros gerais tecnicamente estabelecidos pelo Ministério da Saúde (art. 3º, § 7º, I);

- as medidas de âmbito municipal não podem conflitar com aquelas adotadas pelos Estados, que prevalecem com fundamento no artigo 30, inciso II, da Constituição, como sucede com atos normativos municipais prescritivos do fechamento ou abertura de estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, com discrepâncias em relação a editos estaduais sobre a mesma matéria, inclusive por força da impossibilidade de, no quadro de uma pandemia, serem os efeitos materiais das medidas circunscritos à localidade específica;

- a restrição excepcional e temporária à entrada e saída de pessoas do país por portos, aeroportos e rodovias somente pode ser determinada pelo Ministério da Saúde, conforme recomendação da ANVISA e em articulação com o órgão regulador ou o Poder concedente (art. 3º, VI, letra a, e §§ 7º, I, e 10, da LF 13.979/20, c.c. o art. 21, XII, letras c, d e f, da CF);

- a restrição excepcional e temporária à locomoção por rodovias interestaduais somente pode ser determinada pelo Ministério da Saúde, em articulação com o órgão regulador ou Poder concedente (art. 3º, VI, letra b, e §§ 7º, I, e 10, da LF 13.979/20, c.c. o art. 21, XII, letra e, da CF);

- a restrição excepcional e temporária à locomoção por rodovias intermunicipais somente pode ser determinada pelo gestor estadual de saúde, sob autorização do Ministério da Saúde e em articulação com o órgão regulador ou o Poder concedente (art. 3º, VI, letra b, e §§ 7º, II, e 10, da LF 13.979/20, c.c. o art. 25, § 1º, da CF);

- todas as medidas excepcionais e transitórias, restritivas de atividades, determinadas com base no artigo 3º, caput, incisos de I a VIII, da Lei Federal nº 13.979/20, devem resguardar os serviços públicos e atividades essenciais, especificados por decreto do Presidente da República (§§ 8º e 9º do art. 3º – vejam-se os Decretos Federais nº 10.292 e nº 10.288, de 20 e 22 de março, respectivamente);

- a especificação de serviços públicos e atividades essenciais não pode se apartar da zona de abrangência desses conceitos, nem incluir serviços ou atividades que possam ser desempenhados, satisfatoriamente, por meio remoto ou virtual;

- o presidente da República não pode, por meio de decreto, sem motivação tecnicamente adequada, estabelecer o fim da situação de emergência de saúde pública associada à covid-19, quer por ter sido essa competência legalmente deferida ao Ministro da Saúde (art. 1º, § 2º, da LF nº 13.979/20), quer por se exigir, na espécie, motivação baseada em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde (art. 3º, § 1º, da LF nº 13.979/20).

Cumpre assinalar que não há emergência sanitária ou crise socioeconômica que dispense o cumprimento da Constituição Federal e da legislação que lhe preste obediência.

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*Felipe Santa Cruz, presidente nacional da OAB; Ophir Cavalcante, ex-presidente nacional da OAB e atual presidente da Comissão de Defesa da Federação da OAB.