A sociedade brasileira assistiu, perplexa, ao vídeo da
reunião ministerial que integra o inquérito policial no 0004/2020-1, em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deliberadamente propõe a seus
colegas que se aproveitem do momento da atual pandemia para efetuar o desmonte
das estruturas institucionais do Estado.
Além do desprezo pelas vidas dizimadas pela Covid-19 – com
as quais em momento algum se compadece –, o ministro deixa claro que já vem
adotando o comportamento da burla, ao mencionar a recente alteração da
interpretação da Lei da Mata Atlântica – contra a qual, inclusive, se insurgiu
oportunamente a Ordem dos Advogados do Brasil.
Mas não foi só.
Apenas durante o período pandemia, o ministro do Meio
Ambiente: (i) demitiu o diretor de proteção ambiental do Ibama e dois
servidores que chefiavam as fiscalizações contra a atuação de garimpeiros em
terras indígenas do Pará; (ii) anulou a regra que definia que o Ibama deveria
autorizar a saída dos carregamentos de madeira exportados da Amazônia em 2019;
e (iii) pressionou os parlamentares para a aprovação da MP 190, conhecida como
“MP da grilagem”, recentemente transfigurada no PL 2633/2020.
O artigo 225 da Constituição Federal rompeu com a dicotomia
entre bem público e bem privado, e posiciona o meio ambiente como um “terceiro
gênero de bem”, de natureza difusa, cujo titular é o povo. Olvida o ministro,
portanto, que o meio ambiente não lhe pertence, assim como não pertence,
inclusive, ao próprio Estado, e que, por isto, a ninguém é facultado dele
dispor livremente. Aliás, é obrigação de todos, por força de disposição
constitucional, defender e preservar o meio ambiental em prol das presentes e
das futuras gerações.
Em adição, cumpre não deslembrar que ao titular do
Ministério do Meio Ambiente incumbe, por determinação legal, “planejar,
coordenar, supervisionar e controlar (..) a política nacional e as diretrizes
governamentais fixadas para o meio ambiente”. Assim, fica clara a adoção de uma
postura ilegítima – além de antidemocrática –, que se vale de subterfúgios para
fugir do contraponto, ao propor a mudança do regramento ambiental e regulatório
no plano infralegal, de forma a se furtar ao dever de submeter suas propostas
ao Parlamento.
O Ministro se evade do escrutínio da sociedade civil e se
utiliza da comoção causada pela pandemia para perpetrar desmandos em relação ao
meio ambiente. Abusa, de forma deliberada, do momento de fragilidade dos
brasileiros e da justificada atenção da imprensa à emergência sanitária.
O ministro age com intenção ostensiva de se negar a debater
suas condutas por saber que elas encontrariam a voz dos opositores, sempre
alerta às ilegalidades e às investidas contra as garantias que o Brasil vem
construindo desde a década de 1980, e que notabilizaram o país como uma das
nações mais respeitadas no cenário ambiental internacional – reputação, aliás,
que vem sendo desmantelada ao longo deste mandato, com evidentes prejuízos até
mesmo à área econômica.
A Ordem dos Advogados do Brasil, portanto, expressa mais uma vez sua preocupação com o desmonte do arcabouço jurídico em curso e exige o pronto restabelecimento da constitucionalidade e da legalidade ambientais, de modo a evitar que os danos ao meio ambiente, decorrentes das investidas por parte de quem deveria protegê-lo, não possam mais ser recuperados.
Felipe Santa Cruz
Presidente da OAB Nacional
Marina Gadelha
Presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental da OAB