Processos judiciais e contratos são temas de painéis do congresso digital da OAB

O painel “O Impacto da Pandemia nos Processos” trouxe a discussão sobre as mudanças de paradigmas no trabalho e a importância da adaptabilidade do sistema judiciário ocasionadas pela covid-19. O debate foi realizado nesta terça-feira (28), durante o segundo dia do I Congresso Digital Nacional da OAB.

“Ao criar uma estrutura normativa que permite flexibilidade consensual do processo, facilita-se a construção de soluções para os problemas que a pandemia tem causado nos milhões de processos pendentes no Brasil”, disse Fredie Didier, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Para ele, a flexibilidade é fundamental para que se possa ter soluções criativas em tempos de crise.

Dentre os aspectos de adaptação, o ponto mais frisado foi a ampliação do emprego da tecnologia nos processos em várias formas, desde a superação documental e comunicação processual até o uso de inteligência artificial para facilitar o processo de tomada de decisões. Para os palestrantes, é provável que essa mudança persista pós pandemia. “Ou nos adaptamos a esses recursos e passamos a fazer uso contínuo e eficiente deles, ou não conseguiremos trabalhar”, pontuou o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, Luiz Rodrigues Wambier.

Justiça do Trabalho

Até a primeira quinzena de junho, 32,6% das empresas encerraram suas atividades temporária ou definitivamente no Brasil por causa do coronavírus. Só no último trimestre, cerca de 1,5 milhão de pessoas perderam seus empregos. Esses foram alguns dados apresentados no painel “Impactos da covid-19 no mundo do Direito e do processo do Trabalho”, que tratou das medidas tomadas pelo Governo Federal durante o período de pandemia tais como a redução de salário, suspensão temporária dos contratos e trabalho remoto. 

Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Alexandre Belomonte, a flexibilização dos contratos é necessária nesse momento até que se possa estabelecer novas condições de pagamento. “Eu penso que é preciso flexibilizar a coisa julgada, não para mudar seu valor, mas sim para suspender a execução ou estabelecer novas condições do pagamento em relação ao valor anteriormente ajustado. São vários os dispositivos com base na imprevisão que dão suporte a essa decisão”, apontou.

Revisão de contratos

O painel “Obrigações e Revisão dos Contratos na pandemia”, tratou de temas de direito contratual e os problemas gerados pela crise sanitária, com descumprimento ou suspensão de contratos nesse período. O debate contou com a moderação de Roberto Antônio Busato, membro honorário vitalício da OAB Nacional, e teve ministro Moura Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça como palestrante.

“As grandes pandemias sempre acabam com o direito dando solução para elas. O Judiciário vai receber muitas demandas e nós temos armas adequadas para resolver os pedidos que serão encaminhados, mas melhor seria que nenhuma demanda fosse instalada sem uma prévia tentativa de solução negociada. O consenso acaba sendo a melhor forma de resolver essas questões”, afirmou Moura Ribeiro.

Contratos de locação

O conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Otávio Luiz Rodrigues Junior, participou do painel “Contratos de locação em tempo de pandemia”. O debate trouxe à tona a questão do inquilinato, destacando a quantidade de imóveis locados que não podem ser usados em razão da pandemia.

“Na prática, o que tem ocorrido é um acordo entre cavalheiros entre shopping e locatário, pois se opta por não abrir a loja, os aluguéis não são cobrados, pelos menos em sua integralidade. A opção é de manter a loja fechada e não pagar integral, mas uma parte considerável, de modo que não ocorra ruptura do contrato, o que é permitido pela lei do inquilinato, para a prevalência da autonomia privada”, disse Otávio Luiz Rodrigues Junior.

Congresso digital debate sobre defesa das prerrogativas e da democracia

O secretário-geral do Conselho Federal da OAB e coordenador geral do evento, José Alberto Simonetti, foi o moderador do painel que discutiu a “Criminalização da violação de prerrogativas e a inviolabilidade dos escritórios de advocacia”, nesta terça-feira (28). O procurador nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, Alex Sarkis, participou do debate e afirmou que a história da democracia brasileira não pode ser contada sem a história da OAB.

“Como respeitar e proteger mais de 209 milhões de brasileiros sem respeitar e proteger aqueles que os representam? Para que haja um processo justo e equilibrado, há que se respeitar o direito de defesa em seu sentido amplo e todos os valores republicanos da nossa Carta Magna. Mas, infelizmente, a prática profissional tem se deparado com desrespeito a esses preceitos basilares, refletidos nas prerrogativas da advocacia. Avançamos muito com o reconhecimento do parlamento em criminalizar as condutas que desrespeitam essas prerrogativas, mas é necessário consolidar esses avanços no campo jurisprudencial”, afirmou Sarkis.

O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que é advogado e ex-conselheiro federal da OAB, também reforçou o papel da OAB na estrutura do Estado Democrático de Direito. Para ele, a maior conquista da advocacia brasileira foi a inclusão do artigo 133 na Constituição, tornando o advogado indispensável à administração da Justiça. “Não somente é importante a criminalização das prerrogativas de profissionais tão essenciais, como também o olhar sobre os casos de abuso de autoridade deve ser exaltado. Cabe à jurisprudência brasileira assimilar essas novas legislações, necessária para tutelar garantias que são do próprio cidadão. É preciso esse freio de arrumação”, apontou Pacheco.

OAB e democracia

“O papel da OAB na Defesa do Estado Democrático de Direito em tempos de pandemia” foi o assunto do painel que reuniu os presidentes da OAB-AL, Nivaldo Barbosa da Silva Junior; da OAB-SE, Inácio José Krauss de Menezes; e da OAB-RO, Elton José Assis. O debate foi mediado pelo conselheiro federal Artêmio Azevedo (RN).

Elton Assis destacou as lutas históricas da Ordem em defesa da democracia, inclusive em períodos de repressão. Ele classificou a OAB como um canal de diálogo que une diversos setores da sociedade brasileira. O presidente da OAB-RO apontou o momento social atual como o mais delicado desde 1964, com a sociedade permeada por radicalismos, e disse crer na necessidade de busca por pontos de convergência.

Inácio Krauss citou o artigo 44 do Estatuto da Advocacia e da OAB para defender a vocação da Ordem em zelar pela ordem jurídica do Estado Democrático de Direito. Segundo ele, a pandemia cria um ambiente que demanda ainda mais cuidado com a democracia, pois as rupturas acontecem em momentos de vulnerabilidade. Por sua vez, o presidente da OAB-AL afirmou ser inconcebível que em pleno século XXI o Estado Democrático de Direito venha sendo repetidamente colocado em xeque. Ele citou diversos momentos históricos de viradas antidemocráticas para comparar com atual panorama social brasileiro e disse que a advocacia e a democracia andam de mãos dadas.

Neste segundo dia de congresso, destacamos a participação do presidente da OAB-MS, Mansour Elias Karmouche, como moderador do painel sobre “Resolução de Contratos” e da vice-presidente da OAB-AC, Marina Belandi Scheffer, também como moderadora do painel “Coaching Jurídico em tempos de pandemia”. O painel “Efeitos da COVID-19 nas Discussões em Arbitragem” teve a contribuição da vice-presidente da OAB-RN, Rossana Fonseca, e o presidente da OAB-GO, foi palestrante do painel que debateu “As Conquistas da Advocacia no CPC”.

 

Direito tributário, fake news e proteção de dados foram discutidos no congresso

O debate sobre "Tributação, Pandemia e Reforma Tributária" reuniu, nesta terça-feira (28), o presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB Nacional, Eduardo Maneira; o procurador tributário da OAB Nacional, Luiz Gustavo Bichara, e a professora da Fundação Getúlio Vargas, Tathiane Piscitelli; e teve a moderação do membro da comissão, Igor Mauler Santiago.

Maneira apontou haver consenso sobre a necessidade da reforma, cujo modelo atual é baseado na emenda constitucional 18, de 1965. "Temos um sistema tributário velho para uma economia nova", resumiu ele. O presidente da comissão classificou o sistema brasileiro de complexo e de alta litigiosidade na contramão das melhores práticas internacionais. Segundo ele, infelizmente, o consenso sobre a reforma termina na ideia de necessidade fazê-la.

Bichara criticou o projeto enviado pelo Governo Federal ao Congresso na semana passada, que unifica PIS e Cofins, como "uma ideia nova com cheiro de naftalina", que na prática é somente um aumento de imposto. Ele também alertou para falta de um processo de transição do regras no projeto governista. De acordo com Bichara, o governo federal preocupou-se mais em resolver seu problema de arrecadação e não olhou para a situação dos demais entes federados e dos contribuintes.

Já o painel sobre “Segurança Jurídica e Tributação em tempos de pandemia”, teve a participação do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gurgel de Faria, para debater como os governos e os Poderes podem garantir segurança jurídica para pessoas e empresas, eficiência fiscal e novos tributos.

O ministro Gurgel de Faria destacou que “segurança jurídica não é missão de um Poder apenas. Normalmente, a gente imagina que seja a missão do Judiciário, mas é também missão do Executivo e do Legislativo. O Governo precisa encaminhar leis e instruções claras, com efetividade, assim como o Congresso precisa de responsabilidade na tramitação e na hora de aprovar as regras. Por último, envolve também o Judiciário, na forma de interpretar a norma. Em crises como essa, todos precisam atuar para que a economia e as pessoas possam se organizar”.

Fake News

Os palestrantes abordaram a temática “Fake News, Crimes contra a Honra e Liberdade de Expressão”, demonstrando preocupação com a grande polarização na sociedade sobre esse tema e com soluções que procuram criminalizar todo o qualquer tipo de conduta, ameaçando direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito, como a liberdade de expressão.

O professor da USP e coordenador do Observatório Permanente da Liberdade de Imprensa da OAB Nacional, Pierpaolo Bottini, disse que o problema é grave e que existem outros países tentando criar alguma forma de regulação, mas é preciso garantir a liberdade de expressão e o pensamento divergente, sem nenhum tipo de ingerência do Estado na definição do que é verdade ou mentira.

“Eu não posso utilizar a estrutura do Estado para fazer um filtro sobre o que é ou não verdade, o que é fake news e o que não é, quando isso não consiste em um crime e não está abrigado em um tipo penal. Isso me preocupa muito, porque, por via transversa, eu estou afetando a liberdade de expressão. O problema não é o combate às fake news criminosas, mas sim a tendência de que o Estado poderia, de forma legítima, fazer qualquer tipo de controle sobre a veracidade ou não de informações e postagens”, explicou Bottini.

Proteção de dados

O painel “Proteção de dados e autodeterminação informativa” tratou da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a eficácia da Medida Provisória nº 954/2020, em ação proposta pela OAB. A MP previa o compartilhamento de dados dos usuários das prestadoras de serviços de telecomunicações com o IBGE.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ricardo Villas Boas Cueva, ressaltou que “a decisão do STF teve impacto positivo no debate e vai impulsionar o desenvolvimento desse grande campo do direito no Brasil. O STF, ao reconhecer os direitos fundamentais à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, entendeu a importância do tema e os cumprimentos dos comandos internacionais”.

Autonomia dos municípios

Federalismo, autoridade municipal para tomada de decisões quanto abertura ou fechamento do comércio e questões sanitárias, impactos na economia local e os efeitos para os novos prefeitos eleitos. Esses foram alguns dos temas abordados no painel “O protagonismo dos municípios no combate ao novo Coronavírus”, que contou com a participação da Conselheira Federal da OAB e do Conselho Nacional do Ministério Público, Sandra Krieger.

Contratação pelo poder público

“Contratação pelo Poder Público no orçamento de guerra” foi o tema abordado pelo ministro do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, e pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Mauro Campbell. Eles debateram a Emenda Constitucional nº 106, que instituiu regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações, para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente da pandemia.

Os palestrantes destacaram que o regime especial de contratações dialoga com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além disso, a discussão alertou aos gestores para a necessidade da adoção de medidas financeiras, com prudência e foco na gestão, observando os limites para a flexibilização, sob pena de violação aos princípios constitucionais.

Democracia

O ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Holbach, contribuiu para o debate “Democracia: o grande teste das eleições 2020”. Para ele a crise da democracia culmina no processo de 20 anos de esgarçamento do regime jurídico e democrático que se inicia nos primeiros anos do século XXI. “Esse processo começa exatamente em 11 de setembro de 2001, no atentado às Torres Gêmeas e ao Pentágono, quando várias ações colocaram em xeque a eficácia de algumas liberdades públicas. Ali nasceu uma rede de controle global das ações das pessoas que acaba restringindo importantes direitos do modo de vida ocidental. De lá para cá, sucessivas crises foram limitando e restringindo direitos”, destacou o magistrado.

Conferências magnas abordam desafios ambientais, tecnologia e democracia

O segundo dia de atividades do I Congresso Nacional Digital da OAB, maior evento jurídico online do mundo com a marca de mais de 100 mil inscritos, teve início com a conferência magna da ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que abordou o tema “Desafios Ambientais Globais e o Desenvolvimento do Brasil”. Os trabalhos foram coordenados pelo presidente da OAB-AP, Auriney de Brito.

A ex-ministra destacou que a situação de calamidade na saúde expôs todos os povos a um grau ainda maior de incertezas e riscos. “As sociedades estão interconectadas, mas não necessariamente continuarão interdependentes. A situação da crise da saúde é vista como uma das consequências da relação insustentável entre homem e natureza. O desmatamento sem propósito pode ocasionar, sem dúvidas, um novo surto na saúde. E não nos enganemos: é a ciência que dita o ritmo das ações efetivas. É com base nela que a humanidade deve requalificar os processos de tomada de decisão, principalmente nas frentes de vulnerabilidade, desigualdade social e informalidade na economia”, apontou.

Teixeira avaliou a percepção que outras nações têm do Brasil no cenário geopolítico mundial. “Em termos de curto prazo, o país está sob forte pressão em razão das quatro dimensões que ele apresenta ao mundo: economia, regime político, segurança de garantias e compromisso com o meio ambiente. É inegável que o Brasil está muito exposto em vários destes aspectos, mas particularmente em relação à Amazônia a coisa piora. Ela nos coloca no mundo, mas a gestão que se faz dela hoje nos tira do mundo. Há uma necessidade de o país entender o contexto internacional sim, mas compreender que o combate ao desmatamento é um imperativo moral é uma questão de enfrentar o crime. Mas parece que hoje, em vez de conversar com o futuro, o Brasil quer flertar com o passado”, disse a ex-ministra.

Tecnologia  

Já imaginou atualizar 25 anos de transformações digitais em 90 dias? Essa foi a realidade que a covid-19 trouxe para o mundo e foi o tema da conferência magna “Há décadas em que nada acontece... e semanas em que décadas acontecem”. Presidida pelo presidente da OAB/PI, Celso Barros, a palestra contou com professor Sílvio Meira, fundador do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife, que fez um panorama das mudanças comportamentais provocadas pela pandemia.

Segundo Meira, se apenas metade do crescimento do mercado digital continuar pós-crise, significa um avanço de cinco anos no comércio eletrônico no Brasil. “Estamos vendo um salto significativo nos costumes, no hábito das pessoas. Porque não tem nenhuma tecnologia nova, todas as tecnologias que estamos usando já estavam disponíveis. Inovação é mudança de comportamento das pessoas, dos agentes do mercado como fornecedores e consumidores”, argumentou.

Democracia

“A democracia possível e a relação entre os poderes” foi tema da conferência magna proferida pelo presidente da Comissão Nacional de Defesa da República e da Democracia da OAB Nacional, Nabor Bulhões, e contou com a moderação de Cássio Telles, presidente da OAB do Paraná.

“Não se pode falar em democracia no Brasil, dissociando da luta que a OAB sempre travou contra a intolerância e contra a opressão. Temos enorme orgulho de participar da Ordem e contribuir para a consolidação das instituições democráticas. Tivemos o desafio de superar as dificuldades do passado no processo de transição de uma ditadura para uma democracia. Foi com esse espírito que a OAB participou do processo constituinte e se produziu verdadeiramente uma Constituição notável”, disse.

Bulhões destacou a importância da advocacia para a construção do texto constitucional de 1988 e disse que o Brasil possui uma Constituição notável, mas o grande desafio é a sua eficácia. “Por isso, a Ordem tem ajuizado ações para garantir a eficácia da Constituição, inclusive em plena pandemia. A OAB tem, historicamente, estado com a democracia, lutado e, com isso, contribuído de forma notável para o nosso projeto que deve ser absolutamente permanente. A Ordem dos Advogados do Brasil, ao completar 90 anos, está, verdadeiramente, inserida na história da democracia brasileira e continua sendo responsável pela mobilização em prol dos nossos valores republicanos e democráticos”, afirmou.