Data da Publicação: 26 de agosto de 2013 às 09h16
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deferiu pedido cautelar da OAB SP, reforçado pelo ingresso como assistente do Conselho Federal da Ordem, para suspender a entrada em vigor do Provimento nº 17/2013, da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo até deliberação final do CNJ. De acordo com o Comunicado CG nº 652/2013, o provimento, que autoriza notários e registradores a realizar mediação e conciliação, entraria em vigor no dia 5 de setembro.
VITÓRIA DA ADVOCACIA: CNJ CONCEDE LIMINAR CONTRA O PROVIMENTO 17/2013
A conselheira reforça tese da OAB SP, que a Corregedoria extrapolou sua competência
A liminar foi concedida pela conselheira Gisela Gondin Ramos, que reconsiderou decisão anterior do conselheiro Jorge Hélio, no Pedido de Providências impetrado pela OAB SP contra o Provimento.
Na avaliação do presidente da OAB SP, Marcos da Costa, a medida liminar é uma resposta efetiva à luta que a OAB SP vem empreendendo contra o Provimento 17/2013, desde sua edição, visando defender a advocacia e a cidadania contra uma ilegalidade. “Todo cidadão que fosse levado a firmar acordos com base nesse provimento, que não tem amparo legal, poderia ter seus direitos usurpados, acarretando um novo processo, que a mediação e a conciliação buscam evitar”.
Em sua manifestação, a conselheira afirma que compete à Corregedoria Geral do TJ-SP fiscalizar, orientar, disciplinar e aprimorar os serviços notariais e registrais, mas não tem atribuição para estabelecer novas atividades, que dependeria de edição de lei. Em sua decisão, ela afirma que o provimento paulista “dirige-se às serventias extrajudiciais, criando mecanismo paralelo – e privado – de resolução de conflitos. Sua regulamentação escapa à incidência da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário”. Também rebate a tese de que o Provimento 17/2013 estaria atendendo Resolução 125/2010 do CNJ para ampliar a prática de conciliações e mediações.
Para a conselheira, a Constituição Federal, em seu art. 236, trata de serviços notariais e de registro e que “as atividades exercidas pelos notários, por delegação do Poder Público e em caráter privado, serão reguladas por lei. Antes, prescreve que se insere na competência legislativa privativa da União Federal legislar acerca de registros públicos, nos termos do art. 22, XXV, do Texto Constitucional”, conforme estipulado pela Lei 8.935/1994.
Ao analisar o caso concreto, a conselheira reforça tese da OAB SP e aponta que Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo “parece extrapolar o âmbito regulamentar que lhe é próprio, imiscuindo-se em matéria de competência exclusiva da União Federal, cominando atribuição às Serventias de Notas que não lhe são próprias”, para concluir que “a autorização dada aos notários e registradores pela Corregedoria da Justiça da Corte de São Paulo para a prática de conciliações e mediações, por meio do provimento n.17, de 5 de junho de 2013, é estranha às funções legalmente atribuídas a tais agentes, tanto pela legislação federal de regência quanto pelas normas estaduais aplicáveis à espécie”.
A decisão [da conselheira] deixa claro que “o ato administrativo impugnado, além de legar aos notários e registradores função extravagante, ao arrepio das leis de regulamentação, fê-lo invadindo a esfera de regulamentação reservada à lei, nos termos que dispõe o art. 236, art.1º, da Constituição da República”.
Além de medida junto ao CNJ, a OAB SP, a AASP e o IASP também ingressaram com pedido de revogação do provimento 17/2013 no Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, que realizou sessão no dia 23 de agosto, mas a decisão foi adiada por pedido de vista do desembargador Walter de Almeida Guilherme.
VEJA A DECISÃO
PEDIDO DE PROVIDêNCIAS – CONSELHEIRO 0003397-43.2013.2.00.0000
Requerente: Ordem dos Advogados do Brasil-secção de São Paulo
Requerido: Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo
DECISÃO
1. Cuida-se de requerimento formulado nos autos do presente Pedido de Providências pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Em suma, requer o bâtonnier a admissão do Conselho Federal da OAB na qualidade de interessado e a reconsideração do pedido liminar, indeferido inaudita altera parte pelo então Conselheiro Jorge Hélio, a quem sucedi.
Argumenta que o Tribunal de Justiça de São Paulo extrapolou o poder regulamentar ao confiar às serventias extrajudiciais de notas a atribuição de promover mediações e conciliações extrajudiciais. Sustenta ainda que se ignora a necessidade de presença do advogado em determinados atos em que sua participação é veiculada por lei. Obtempera que há possível efeito multiplicador oriundo do ato regulamentar paulista, a disseminar eventual irregularidade em outras Cortes de Justiça.
É o suficiente relato.
2. Defiro, com fundamento no art. 9º, III, da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, a admissão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no feito, na qualidade de interessado.
3. O Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça atribui ao Relator, em seu art. 25, XI, o deferimento de medidas acauteladoras, ante a existência de fundado receio de prejuízo, o que reputo ser o caso.
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 236, versa sobre a prestação de serviços notariais e de registro. Prescreve o texto constitucional que as atividades exercidas pelos notários, por delegação do Poder Público e em caráter privado, serão reguladas por lei.
Antes, prescreve que se insere na competência legislativa privativa da União Federal legislar acerca de registros públicos, nos termos do art. 22, XXV, do Texto Constitucional.
O diploma legal referido pela Carta Política, a estruturar os serviços cartoriais prestados pelo Estado, é a Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994, de caráter nacional.
Ao versar acerca da atividade notarial, prestada pelo notário ou tabelião, descrimina a legislação as atribuições conferidas a tais profissionais nos seguintes termos:
Art. 6º Aos notários compete:
I – formalizar juridicamente a vontade das partes;
II – intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;
III – autenticar fatos.
Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:
I – lavrar escrituras e procurações, públicas;
II – lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;
III – lavrar atas notariais;
IV – reconhecer firmas;
V – autenticar cópias.
Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato.
Por meio da combinada leitura do conjunto normativo de regência, em especial o que dispõe o art. 236 da Constituição da República e o disposto no ato cognominado Lei dos Cartórios (Lei n. 8.935/94), extrai-se que, para além da atribuição da União Federal para legislar com exclusividade sobre os registros públicos, insere-se a organização da efetiva prestação dos serviços. A mencionada tarefa reside no âmbito de competência residual, cominada aos Estados-Membros para sua auto-organização, nos termos do que dispõe o art. 25 da CRFB[1].
No mesmo sentido, a Lei n. 8.935, de 1994, prevê de forma expressa a competência do Estado-Membro para legislar acerca de normas e critérios para a remoção entre Serventias (art. 18), outorgando a fiscalização dos atos dos notários e registradores ao juízo competente, “definido na órbita estadual e do Distrito Federal” (art. 37). Convalida, inclusive, legislação estadual específica que, vigente antes da entrada em vigor da Lei dos Cartórios, lega atribuições ao Registro Civil das Pessoas Naturais (art. 52), ou ainda que tem a fixação de área territorial de atuação de tabeliães de protestos de título definida pelas regras de organização judiciária local (art. 53).
Assim, estabelecido o marco legal de referência, passo à análise do caso concreto, neste juízo de apreciação perfunctória, para fins de acautelamento do provimento requerido.
Verifico que, de fato, o ato da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo parece extrapolar o âmbito regulamentar que lhe é próprio, imiscuindo-se em matéria de competência exclusiva da União Federal, cominando atribuição às Serventias de Notas que não lhe são próprias.
O Decreto-Lei Complementar n. 3, de 27 de agosto de 1969, ao estabelecer as atribuições dos ofícios extrajudiciais, assim dispõe:
Artigo 205. – Os Cartórios de Notas exercerão funções notariais.
Artigo 206. – Os Cartórios do Registro Civil das Pessoas Naturais exercerão as funções que lhes são atribuídas pela Lei dos Registros Públicos.
Artigo 207. – Aos Cartórios dos Registros Públicos competirá a prática dos atos regidos pela Lei dos Registros Públicos quanto às pessoas jurídicas, aos imóveis, aos títulos e documentos, bem como o protesto de títulos, na forma que a lei dispuser.
Artigo 208. – Aos Cartórios de Cadastro Judiciário caberá cadastrar, mediante organização de índices convenientes, os dados referentes a distribuição judicial e atos praticados nos Cartórios de Notas, de Registros Públicos e Registro Civil de Pessoas Naturais, das comarcas que compõem a circunscrição ou da comarca da Capital, na forma que a lei estabelecer.
Verifica-se, deste modo, que a autorização dada aos notários e registradores pela Corregedoria Geral da Justiça da Corte de São Paulo para a prática de conciliações e mediações, por meio do Provimento n. 17, de 5 de junho de 2013, é estranha às funções legalmente atribuídas a tais agentes, tanto pela legislação federal de regência quanto pelas normas estaduais aplicáveis à espécie.
Há, pois, hipótese de atribuição de competência. Como é próprio das atividades exercidas pelo Estado ou em seu nome, tais atos devem ser, sempre, expressos e exaurientes e cominados por meio de lei. A margem de discricionariedade do administrador ao inovar a ordem jurídica, hipótese como a do caso em apreço, esbarra no princípio da legalidade administrativa, estampado no cabeço do art. 37 da Constituição da República.
Trata-se, como consignei em sede doutrinária[2], de proteção da esfera de liberdade própria do indivíduo dos arbítrios do Estado plenipotenciário. É nesse sentido que o constituinte veiculou a exigência de lei em sentido formal para obrigar o particular a fazer ou deixar de fazer algo. Com amparo no art. 5º, II, da Constituição da República, afigura-se como legítima a coerção estatal quando referendada pelos representantes da cidadania, observado o devido processo legislativo. Não há como o povo, detentor último do poder soberano, ser compelido por outra vontade senão a sua própria a fazer ou deixar de fazer algo.
O ato administrativo impugnado, além de legar aos notários e registradores função extravagante, ao arrepio das leis de regulamentação, fê-lo invadindo a esfera de regulamentação reservada à lei, nos termos do que dispõe o art. 236, § 1º, da Constituição da República.
De fato, razão assiste à Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo quando reconhece sua competência para “fiscalizar, orientar, disciplinar e aprimorar” os serviços notariais e registrais. Entretanto, falece-lhe atribuição para estabelecimento das atividades próprias das Serventias, sobre as quais a Corregedoria tem poder de fiscalização, orientação, disciplina e aprimoramento. É matéria, como anteriormente consignado, que demanda a edição de lei.
E nem se diga que poderia se extrair da interpretação teleológica da Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, eventual fundamento para a prática do mencionado diploma regulamentar.
O ato do CNJ, em boa hora, envereda-se por estimular a reorganização do Poder Judiciário para a inversão da lógica processual, essencialmente beligerante, em favor da construção de consensos das partes litigantes. Verifica-se, nesse ínterim, que se trata de política pública direcionada ao Poder Judiciário e que, por isso mesmo, reveste-se de caráter eminentemente jurisdicional. Até por tal razão há direto e efetivo controle dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, cuja criação foi determinada por este Conselho.
O provimento paulista, por sua vez, dirige-se às serventias extrajudiciais, criando mecanismo paralelo – e privado – de resolução de conflitos. Sua regulamentação escapa à incidência da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário.
Descabe, neste momento, analisar sob o ângulo semiótico a natureza e as consequências do ato normativo aqui impugnado, entrementes que necessária, a meu sentir, para a correta avaliação do tema.
A medida acautelatória pleiteada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil se justifica, por plausível. O perigo na demora, por sua vez, exsurge da iminente vigência plena do dispositivo conspurcado, na linha do Comunicado n. 652, de 2013, da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.
É forçoso o reconhecimento do vício formal cujos efeitos, protraídos no tempo, poderão causar dano de difícil reparação.
Assim, reconsidero a decisão anteriormente proferida pelo Conselheiro Jorge Hélio e, em atenção ao pleito formulado, defiro o pedido cautelar para determinar a suspensão da entrada em vigor do Provimento n. 17, de 5 de junho de 2013, da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo até deliberação final pelo Conselho Nacional de Justiça.
4. Notifiquem-se. Cumpridas as diligências, remetam-se novamente os autos ao Comitê Gestor do Movimento pela Conciliação, nos termos do despacho registrado no evento n. 14 dos autos eletrônicos, para manifestação.
[1] Nesse sentido: STF, ADI-MC 865/MA, j. 7.10.1993; a contrario sensu: STF, ADI n.3151, Min. AYRES BRITTO, j. 8 jun. 2005.
[2] RAMOS, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 476-8.
Gisela Gondin Ramos
Conselheira
Esse Documento foi Assinado Eletronicamente por Gisela Gondin Ramos em 26 de Agosto de 2013 às 13:36:00
O Original deste Documento pode ser consultado no site do E-CNJ. Hash: 3ffc4784803b6fdce800e1f47a39fb7c